Ao quarto dia de confrontos entre a Rússia e a Geórgia na Ossétia do Sul, as hostilidades agravaram-se, apesar dos esforços de vários enviados internacionais que procuram estabelecer um cessar-fogo entre os dois países que, na sexta-feira, reacenderam uma das regiões mais problemáticas do mundo.
A Rússia descartou qualquer hipótese de um cessar-fogo enquanto a Geórgia não retirar as suas tropas da Ossétia do Sul, algo que os responsáveis da antiga república soviética dizem já ter feito, mas que não é certo. Esta segunda-feira, o presidente georgiano Mikhail Saakashvili assinou um acordo de cessar-fogo proposto pelos ministros francês e finlandês dos Negócios Estrangeiros. É esperada agora a resposta de Moscovo.
Os confrontos já terão causado mais de dois mil mortos e 25 mil deslocados. Há muito que se temia um conflito directo entre a Rússia e a antiga república soviética, mas só na passada semana se iniciaram as acções que têm sido vistas como uma guerra aberta entre os dois países.
Em causa estão as provocações dos independentistas da Ossétia do Sul, às quais a Geórgia respondeu, levando a Rússia a intervir em força. A Ossétia do Sul é um território pertencente à Geórgia, mas, na prática, independente desde 1992 na sequência de uma guerra com este país. Outro dos resquícios desse conflito foi a decisão de manter na Ossétia do Sul soldados de manutenção de paz russos.
Desde domingo que há receios que os confrontos se estendam à região da Abkházia, outro dos territórios independentistas da Geórgia e ao largo do qual a Rússia já colocou uma das suas frotas.
Também no princípio desta semana a força aérea russa bombardeou os arredores da capital da Geórgia, Tbilissi, atingindo o aeroporto da cidade momentos antes da chegada prevista do ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Bernard Kouchner. Aviões russos têm bombardeado vários outros pontos do país, segundo a Associated Press. A artilharia russa já atacou a cidade de Gori no centro da Geórgia, a poucas dezenas de quilómetros da capital Tbilissi, onde continuam a haver confrontos. Segundo as Nações Unidas 80% da população de Gori já terá abandonado as suas casas.
Parte das operações russas para “forçar a Geórgia para a paz” foram completadas
Entretanto, o presidente russo, Dmitri Medvedev, afirmou, citado pelo “Financial Times”, que “uma parte significativa das operações para forçar o lado georgiano e as autoridades da Geórgia para a paz na Ossétia do Sul” foi completada.
Uma nova fase da Guerra Fria?
O termo Guerra Fria tem sido lançado nos últimos dias para classificar a demonstração de poder da Rússia. Sabine Freizer do ICG explica que é uma “continuação” da Guerra Fria, uma vez que “a Rússia nunca deixou de ver a NATO como um instrumento” desse conflito. O general Loureiro dos Santos discorda da utilização do termo, uma vez que “durante a Guerra Fria só havia dois pólos que se equilibravam” e agora “o governo do mundo não é feito a dois”.
No domingo, o embaixador norte-americano nas Nações Unidas, Zalmay Khalilzad, afirmou, citado pelo “The New York Times”, que o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, terá dito que Saakashvili “tem de se ir embora”, o que levou a forte especulação que o objectivo russo é retirar o pró-americano Saakashvili do poder, numa altura em que a adesão do país à NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) tem sido muito discutida.
Em conferência de imprensa esta tarde a partir da capital georgiana, Saakashvili acusou, falando em inglês, as tropas russas de estarem a “atacar especificamente jornalistas” e civis. “O que se está a passar na Geórgia é reminiscente dos piores casos que ocorreram nos Balcãs”, afirmou, com uma bandeira da União Europeia (UE) no fundo. “Que mais tem de acontecer para o mundo acordar?”, referiu o presidente da Geórgia, apelando à intervenção internacional.
Rússia quer mostrar que manda no Cáucaso
Para o general Loureiro dos Santos a margem de manobra de elementos como os EUA é muito reduzida, uma vez que o que podem fazer é “condenar a acção russa” e “procurar que numa solução política” se mantenham os interesses da Geórgia. Segundo Loureiro dos Santos, as intenções russas são as de, “através da acção militar, impor uma solução política que mais lhe convenha no Cáucaso”, uma região de extrema importância estratégica.
“A Rússia procura exercer a sua influência na região e transmitir que quem manda na área é ela”, afirmou ao JPN o general. Opinião partilhada pela directora do programa da Europa da organização International Crisis Group (ICG), Sabine Freizer. A partir de Bruxelas, a responsável desta organização não-governamental explicou ao JPN que a Rússia quer “mostrar-se como um poder na região”.
Intervenção russa pretende mudar presidente da Geórgia
Para a analista do ICG, que já em Junho alertava para as possibilidades do deflagrar de um conflito na região, o objectivo primário da Rússia é “garantir a segurança das populações russas na Ossétia do Sul e da Abkházia, tendo em conta a missão de manutenção de paz que desempenha” nos dois territórios. Por outro lado, Sabine Freizer reconhece que é possível ver mais nas intenções russas, como a tentativa de “sabotar” a aproximação da Geórgia à NATO e à UE.
Segundo Freizer, a má relação entre o primeiro-ministro russo Vladimir Putin e o presidente georgiano é bastante conhecida e é admissível que a situação se tenha tornado numa questão pessoal entre os dois.
Por seu lado, o general Loureiro dos Santos pensa que a Rússia terá, como último objectivo, “conseguir uma alteração na presidência” georgiana. O militar português refere que a “cartada de nacionalismo” jogada por Saakashvili teve um objectivo maior de política interna. “Não é preciso ser presidente da Geórgia para saber que uma acção destas teria as suas consequências do lado russo”.