Construído ainda antes do 25 de Abril, o Bairro do Aleixo foi uma tentativa de edificação de habitação social que fugia à norma da altura, aplicando a “novidade” da construção em altura. Em 1975 é ocupado, nalguns casos à revelia das autoridades, por população originária da zona do Barredo e da Ribeira, zonas sobrelotadas da zona histórica da cidade.

“O problema do Aleixo está na História. Tem de se ter uma ideia de como é que se fizeram os bairros camarários e de como se fez o bairro do Aleixo”, defende o professor da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP) Ricardo Figueiredo. “O Bairro do Aleixo é o último dos bairros antes do 25 de Abril aqui no Porto e correspondia a uma tentativa de fazer um bairro camarário noutra tipologia, em torre”, explica o ex-vereador do Urbanismo, que dá aulas de História do Porto na FAUP.

Segundo Ricardo Figueiredo, “os bairros camarários foram feitos nos anos 50 e 60 numa base de especulação imobiliária. Ou seja, tiravam-se as pessoas das ilhas no centro da cidade, e punham-nas na periferia, construindo-se aí os bairros”. Posteriormente, os terrenos no centro do Porto “eram vendidos em hasta publica já valorizados”. Na década seguinte ao primeiros bairros sociais, começaram-se a ouvir vozes críticas da forma de construção que estava a ser feita. “Dez anos depois, tinha-se feito realmente um grande esforço, mas já começavam a levantar-se vozes alertando para os problemas sociais”, diz o professor da FAUP.

Para José Rio Fernandes, professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e um dos participantes em Portugal do projecto “Governança das Políticas Territoriais e Urbanas do nível da União Europeia ao nível local”, “o que se passou foi que nos anos 70 se acreditava que a sobreocupação no Barredo se resolvia com o realojamento das pessoas em prédios modernos”.

O académico classifica esta intenção como sendo “ingénua”, “própria dos tempos”, e que veio a demonstrar “que a solução terá sido pior que o problema de base”. “Ao juntar pessoas de varias áreas, designadamente do Barredo, em contextos habitacionais completamente distintos daqueles a que estavam habituados e num evidente isolamento em relação à envolvência” veio reforçar-se os problemas sociais.

Abandono dos poderes públicos contribuiu para degradação do bairro

Para o professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto Luís Fernandes, as razões para a degradação do Bairro do Aleixo têm o seu ponto de partida no “abandono pelos poderes públicos e autárquicos” a que foi votado. “Não foi apenas [abandonado] pelo poder autárquico desta Câmara, porque o Bairro do Aleixo existe desde 1976. De algum modo, há ali um abandono das pessoas à sua sorte e também por ser, sistematicamente, olhado como o bairro das drogas”, explica o académico.

Luís Fernandes acredita que se “fez dali uma espécie de gueto portuense, em que as pessoas foram sendo tratadas nessa medida e há uma profecia que se auto-cumpre, como dizem os sociólogos, que tanto se diz que aquilo é mau, que aquilo é um bairro de tráfico, que depois os problemas ficam ali cristalizados”.

“Guetização” do bairro foi fomentada através da construção

Um dos problemas mais apontados para o Bairro do Aleixo é o de, no contexto dos tempos em que o bloco habitacional foi construído, se ter decidido criar “unidades de vizinhança”, diz Ricardo Figueiredo. “A ideia do bairro em que estava metido tudo. Tinha igreja, tinha escola, entre outros equipamentos, o que levava à criação de guetos. Se isso não é feito de uma forma aberta, o que acontece é que a criança nasce no bairro e tem tudo ali, não está inserida numa socialização adequada. Hoje pensa-se exactamente o contrário”, considera o professor da FAUP que acrescenta que “do ponto de vista arquitectónico e social aquilo não tem pés nem cabeça”. Ricardo Figueiredo ressalta, porém: “não estou a dizer que o que vai para lá tenha”.

“O facto de na altura ser hábito construir-se uma escola para servir o bairro, ao contrário de um movimento de integração, fez com que as crianças do bairro convivessem apenas com as outras crianças do bairro e isso fomentou uma cultura de gueto. Ou seja, à procura de uma solução agravou-se o problema”, indica Rio Fernandes.

“A escola tinha de saber adaptar-se e não soube”

A herança industrial do Porto é outro dos factores apontados como sendo motivo dos actuais problemas sociais de alguns bairros. “O Porto é um laboratório de muitas soluções em matéria urbana. Foi uma cidade muito afectada pela industrialização. Não estava preparada para o crescimento rápido que sofreu com a industrialização e por isso foi improvisando soluções”, diz o professor da FLUP Virgílio Borges Pereira.

“Nós somos herdeiros das soluções e da ausência de soluções que a nossa cidade gerou. Não tendo resolvido os problemas da industrialização no tempo devido, temos agora que lidar com os problemas da desindustrialização da cidade. Temos uma desindustrialização do espaço, mas também das pessoas”, refere o sociólogo.

Esta ideia é partilhada por Luís Fernandes, que reconhece que para terem sido evitadas as consequências do processo de desindustrialização ter-se-ia de ter tido “uma grande capacidade de visão de futuro para perceber que ao fim de dez, 15, 20 anos ia ter este impacto”. O professor da FPCEUP conclui que, ao longo desta evolução, “a escola tinha que ter sabido adaptar-se e não soube”.