Não há nada que distinga os edifícios destas poucas ruas dos restantes do centro histórico do Porto. Mas, ao caminhar pela zona de Cimo de Vila ou do Cativo, qualquer pessoa se apercebe de que algo diferente existe ali. Muitos rostos não são familiares, muitas vozes imperceptíveis. À primeira vista, pode chegar-se a esquecer que se está no Porto.

Porém, foi o Porto que se tornou na casa de centenas – pelo menos – de imigrantes vindos da Ásia e de África. E foi aqui que dezenas de pessoas vindas da Índia, do Paquistão, do Bangladesh, de Marrocos, entre outros países, assentaram. As roupas penduradas nas portas das lojas assinalam a diferença para com as lojas de portugueses, minimalistas, sóbrias, ausentes.

As crianças correm pela rua. Algumas não falam português, mas não precisam de o fazer para brincar. Outras já andam na escola. E gostam. “Demais até”, diz ao JPN o pai bengalês de um rapaz de cinco anos e de uma rapariga de três. Tanbirul Haque está em Portugal desde 1992 e no Porto desde 1999. Nasceu no Bangladesh, mas vive com a família na cidade, onde diz sentir-se feliz. Todavia, a temperatura é que podia ser melhor: “[a cidade] é muito fria comparada com o nosso país”.

Uma “vida boa”

A história de Tanbirul não é muito diferente da de muitos outros que ocupam espaços comerciais entre a rua do Loureiro e a rua Chã. A força por trás da decisão de abandonar o país é que foi única, entre os vários relatos que o JPN ouviu: “Rezei a Alá e disse que queria vir para a Europa trabalhar”. E assim foi. Depois de ter sido cozinheiro num restaurante em Albufeira, foi subindo até chegar ao Porto.

Jehangir Alam, que saiu do Bangladesh por motivos “políticos”, está em Portugal há 13 anos. Enquanto atende clientes, que levam dezenas de brinquedos para revender, este “vendedor ambulante” a trabalhar na loja de um amigo diz gostar dos portugueses. “São simpáticos”, refere.

Tanbirul Haque vive uma “vida boa”, apesar de o negócio não correr muito bem. São muitas as lojas que vendem as mesmas coisas, ou variantes, naquela zona. Ainda assim, Tanbirul diz que lá mais para o Natal a situação melhora. Para outros como Mohammed, um egípcio de 33 anos em Portugal há dois anos, o Verão está-se a revelar a melhor altura.

Ao entrar na loja, que não é mais do que um estreito corredor, Mohammed encontra-se por trás de uma cortina ao fundo do estabelecimento. Murmura algo e mantém-se na mesma posição: pernas estendidas, braços cruzados, óculos de sol numa sala de luzes apagadas. Chegam alguns homens e trocam-se as saudações habituais. “Salam aleikum” (“que a paz esteja contigo”), diz um, seguindo-se a resposta: “wa aleikum salam” (“e que a paz esteja contigo”). Depois do cumprimento em árabe, falam em português. O suficiente para se entenderem.

“Todos aqui somos família”, diz Mohammed, que viveu vários anos em Nova Jérsia, nos Estados Unidos. Sente falta do Egipto, onde tem toda a família, mas diz que o Porto já é a sua segunda casa. “Eu gosto muito disto aqui”.

“Eles estão no canto deles e nós no nosso”

Hoje são poucas as lojas portuguesas na zona. Há alguns oculistas, lojas de electrodomésticos, uma tasca, um sapateiro e uma ou outra loja antiga. É o caso da Casa das Taças, que também vende medalhas e equipamento desportivo, aberta há três décadas. O proprietário, Jerónimo Pinheiro, recorda-se da “lufada de ar fresco” trazida pelos imigrantes e da “euforia” dos trespasses. “Houve pessoas que fizeram bons negócios”, conta.

Os imigrantes trouxeram preços baratos, obrigando a loja a “adaptar-se”. Sem razões de queixa da vizinhança comercial, Jerónimo Pinheiro acredita que esta é uma zona procurada por ser vista como “barata”, mas, mesmo assim, perto do centro da cidade.

Na Casa Crocodilo, há mais de 50 anos a vender cabedais e solas, o funcionário Fernando Queirós diz que não há convivência entre portugueses e estrangeiros. “Eles estão no canto deles e nós no nosso”, afirma. “Vivem em núcleos muito fechados. Eles próprios não produzem essa aproximação”, concorda Nuno Tomás, de 71 anos.

Este oculista, a trabalhar na rua do Loureiro há 20 anos, lembra-se de estas ruas serem “muito diferentes” e tem uma visão negativa da situação actual. “Eram ruas de cafés, mercearias, tascas frequentadas por gente que gostava de vinho”, lembra-se. Depois vieram as lojas de electrodomésticos, a Rádio Popular, “que atraía uma multidão”, os chineses, que “degradaram o ambiente comercial, e outros ‘piores’, entre aspas”. “Não sou xenófobo, mas não vieram trazer nada de positivo”, diz, criticando a política de baixos preços e a “má apresentação das lojas”.