O rabino Daniel Litvak ainda não fala português. Nascido em Israel, só está em Portugal há um ano, conta-nos em castelhano. Por essa razão não tem muito contacto com a Comunidade Israelita do Porto. Parco em palavras, explica que a maioria dos judeus portuenses são portugueses de origem judaica que se converteram recentemente ao judaísmo.

A sinagoga secreta

Em 2005, durante umas obras no número 9 da Rua de São Miguel, foi encontrado um ekhal – a reentrância onde é guardada a Torá, o escrito sagrado dos judeus. Segundo Elvira Mea, este é um indício da existência de uma sinagoga secreta, que o Rabino Ismael Aboab, no seu livro “Nomologia”, menciona ter visto na sua infância.

A história dos judeus no Porto acompanha a história da própria cidade. “Desde a baixa Idade Média que a presença de judeus se faz notar na cidade”, explica Elvira Mea, investigadora no Centro de Estudos Africanos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e especialista na história dos judeus no Porto.

“A maior migração para a cidade surge, no entanto, em 1496”, diz. “Com a Inquisição em Espanha, chegam mais 30 famílias à cidade”. Segundo Elvira Mea, os cristão-novos do Porto viveram um clima de relativa liberdade aos do resto do país.

Isto até ao século XVII, quando as leis se tornam mais severas. “Começa aquilo a que eu chamo de ‘caça ao cristão-novo rico’. Nos anos 20 [do século XVII] , a Câmara do Porto queixa-se de uma diminuição enorme dos impostos devido a estas grandes prisões. É nesta altura que aumenta a diáspora dos cristãos-novos do Porto para outros lugares.

A Obra do Resgate.

É graças ao capitão Barros Basto e à sua “Obra de Resgate” que os marranos recomeçam a assumir-se como judeus. “Ele vai aproveitar o clima de liberdade religiosa da Primeira República para acolher os marranos (ver caixa) e convertê-los a judeus nominativos (ou seja, que se afirmam como judeus). É devido a ele que é construída a sinagoga Mekor Haim, na Rua Guerra Junqueiro – actualmente a única sinagoga do Porto.

Sefarditas e Marranos

Os judeus da Peninsula Ibérica têm a designação de sefarditas. O nome vem de uma localização bíblica denominada “Sepharad“, a palavra para “Espanha” em hebreu moderno. Os sefarditas obrigados a converterem-se ao cristianismo, mas que continuaram secretamente a praticar a sua religião, têm o nome de marranos, designação oriunda da palavra espanhola para “porco”, que surge da proibição religiosa dos judeus comerem a carne deste animal.

Mas este clima de liberdade também não durou muito. “O capitão acaba por ser vítima de uma cabala, orquestrada por Oliveira Salazar, quando este era ministro da Defesa”, explica Elvira Mea, co-autora de uma biografia de Barros Bastos. O capitão é acusado de ser homossexual e é afastado do seu posto nas Forças Armadas, sem direito a uma pensão. “Os progressos conseguidos pela Obra de Resgate sofrem um enorme recuo.” diz Elvira Mea

Só depois do 25 de Abril é que os marranos voltam a afirmar-se como judeus. “Desde então até agora, a comunidade só tem crescido”, conclui a especialista.