Todos os dias, centenas de pessoas atravessam as pontes que unem as cidades de Porto e Gaia, muitas sem se aperceberem que trocam de cidade. A ligação entre as cidades é tal que em 1999 surgiu uma proposta da fusão. Passada uma década do mote dado, cada município mantém-se independente do seu lado do rio.

Duas cidades, uma história

A cidade de Gaia cresceu debaixo da alçada do Porto e a sua história confunde-se com a da Invicta. Durante muitos anos sobre o domínio portuense, Gaia adquiriu independência com o Cerco do Porto e a revolução liberal, em 1834. As cidades têm uma realidade muito próxima e estabelecem uma dependência mútua.

Germano Silva, jornalista e historiador, defende a fusão até pela história comum das cidades. Aponta como principais vantagens uma reciprocidade de serviços e um intercâmbio cultural. “Todas as condições naturais, históricas e tradicionais que apontam nesse sentido”, diz o historiador.

Tiago Azevedo Fernandes, fundador do blogue “A Baixa do Porto“, vai mais longe e propõe uma fusão com face tripla – Porto, Gaia e Matosinhos (tal como defende o presidente da Associação Comercial do Porto, Rui Moreira). A marca Porto deve ser o motor desta fusão, diz o blogger, que acredita que, em termos práticos, esta fusão “já se deu em parte”.

“O que acontece é que a administração do território não acompanhou esse desenvolvimento”, lamenta.

Segundo Tiago Azevedo Fernandes, o poder central sufoca a dimensão dos municípios para resolver qualquer problema. Propõe duas soluções: a criação de um nível intermédio de poder entre o poder local e o central ou a atribuição de maior dimensão às autarquias, fundindo concelhos e freguesias e conferindo-lhes maiores competências.

Amílcar Correia, subdirector do jornal “Público”, vê na eventual fusão uma grande oportunidade para canalizar recursos de ambas as cidades, dando origem a uma cidade com muitas potencialidades, tanto regionais como nacionais.

“Dourocentrismo”

Os opositores a esta fusão apontam algumas fragilidades deste projecto. Para Rio Fernandes, geógrafo, o problema existente não se resolverá com a fusão, mas antes com uma “nova estrutura“, com uma gestão mais capaz do que a actualmente desempenhada pela Junta Metropolitana do Porto.

Se a fusão acontecer, defende o professor catedrático na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, terá de envolver mais cidades do que aquelas que estão à margem do Douro – ou seja, Porto e Gaia, mas também Matosinhos, Maia, Valongo e Gondomar. Para o geógrafo, a simples fusão Porto-Gaia denuncia um “dourocentrismo”.

Rio Fernandes aponta algumas objecções à fusão Porto-Gaia: as populações vêem estes municípios como referência territorial primordial e não aceitarão perdê-las; os dois territórios são desiguais – Gaia é quatro vezes maior do que o Porto; o efeito de massa obtido pela fusão teria de responder á necessidade de um número bastante elevado de habitantes; e, finalmente, não se compreende o porquê de unir apenas estes dois municípios.

Falta “vontade”

Adeptos e críticos da fusão alinham numa questão: qualquer solução parece estar, para já, impossibilitada pela falta de convergência política entre os dois municípios.

“O actual contexto é o de duas autarquias que não se conseguem articular, por exemplo, para definir o que fazer à Ponte D. Maria Pia, centenária e de valor histórico e incalculável”, afirma o subdirector do “Público”.

Rio Fernandes concorda: “Falta, antes de mais, a disponibilidade e vontade dos protagonistas à escala local e metropolitana”.