Cerca de dez milhões os jovens correm o risco de ficar surdos devido ao uso abusivo de leitores portáteis de mp3, alertou ontem a Comissão Europeia. “Podemos estar perante uma catástrofe se nada for feito rapidamente”, avançou à Reuters, Stephen Russel, da Associação Europeia de Segurança para o Consumidor (ANEC), à margem de uma conferência que reuniu dezenas de especialistas em Bruxelas.

O aviso sobe o tom das preocupações expressas num relatório divulgado recentemente pela própria Comissão Europeia. O estudo conclui que o uso de auriculares para ouvir música pode provocar lesões auditivas permanentes. Basta que sejam utilizados em volume demasiado alto, durante mais de uma hora por dia.

Para o otorrinologista Manuel Pais Clemente, “o perigo é real”. Concretizando, “estamos a falar de objectos (auscultadores) que entram directamente no aparelho auditivo com uma intensidade elevada. Se a utilização for contínua e persistente, pode conduzir à morte das células do ouvido interno e, consequentemente, a lesões que podem levar a uma surdez do nervo”.

De acordo com o o professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), o problema “não é novo” junto da comunidade médica. “Já há conhecimento de jovens com problemas de audição provocados pelo uso desses equipamento. É claro que não é de um dia para o outro e nem todos reagem aos estímulos da mesma forma”, refere Pais Clemente, antes de traçar um prognóstico sombrio: “Nós perdemos audição gradualmente com a idade. Agora estamos a perdê-la precocemente, estamos a envelhecer precocemente o nosso ouvido”.

“Os jovens estão muito pouco sensibilizados”

Prevenir antes de remediar

A exposição prolongada do ouvido a altas intensidades de ruído é a prinipal causa de lesões auditivas, segundo o estudo da Comissão Europeia. Para as evitar, Manuel Pais Clemente aconselha todos os utilizadores “a dar aos equipamentos um uso limitado de tempo” (menos de uam hora de cada vez). Manter o volume a baixa intensidade é outro dos cuidados a ter para “não magoar o ouvido”. Por fim, o médico apela à não utilização dos leitores/auriculares na via pública, ou enquanto se anda de bicicleta ou conduz o carro, “de modo a prevenir acidentes provocados pela perda de audição”.

Os alertas surgem numa altura em que as vendas de leitores portáteis de mp3 estão a aumentar em toda a Europa. Só nos últimos quatro anos, foram vendidos cerca de 250 milhões de equipamentos na União Europeia, com destaque para o iPod, da Apple. Estima-se ainda que 100 milhões de europeus utilizem estes leitores diariamente.

Actualmente, as normas na UE proibem níveis de som acima dos 100 decibéis nos leitores de música pessoais. Um limite que a Comissão pretende baixar para os 89 decibéis de intensidade. Pais Clemente elogia a ideia mas destaca a necessidade de “um trabalho constante” de sensibiilização para os cuidados a ter na utilização dos equipamentos (ver caixa). “Os jovens estão muito pouco sensibilizados para o problema. Depois há muitos que até conhecem os riscos mas que não ligam”.

“Não são só os riscos relacionados com a audição. Temos conhecimento de jovens que pagaram com a vida porque atravessam a linha de combóio ou andam na rua com phones. Há um risco de vida grave para o qual é preciso estar consciente”, remata o especialista.