A notícia da morte de Nino Vieira, assassinado na madrugada de segunda-feira, não foi recebida com surpresa pela comunidade guineense de Lisboa. Ibraima Baldé, presidente da associação guineense Uallado Folai, lamenta a morte do líder, mas garante que “todos os guineenses estavam à espera disto há mais de dez anos”. “Nós, os guineenses, temos esperança no futuro e pode ser que isto contribua para o bem da Guiné”, conta ao JPN.

“O Presidente Nino Vieira nunca governou para os guineenses, só para os amigos e família”, critica Ibraima Baldé, revoltado contra a corrupção e o narcotráfico que dominam a ex-colónia portuguesa.

Eleições em 60 dias

Com a morte do presidente da Guiné-Bissau, João Bernardo “Nino” Vieira, é o presidente da Assembleia da República a assumir os destinos do país. Raimundo Pereira toma posse esta terça-feira como Chefe de Estado interino da Guiné, e manter-se-á em funções até às próximas eleições, a decorrer no prazo máximo de 60 dias.

A Guiné-Bissau conquistou a independência em 1974, após cerca de treze anos de guerrilha contra o domínio português. Mas Ibraima Baldé aponta o dedo ao processo que conduziu à independência, “um caso de neo-colonização do PAIGC e do senhor Nino Vieira”.

“A Guiné é um país rico, não é montanhoso, tem água doce, é bom para agricultura, não é preciso escavar minas. Mas obriga-nos a emigrar porque não há condições para viver lá. A Guiné um país adiado”, remata.

Situação na Guiné “coloca desafios aos países da CPLP”

Já Rui Novais, investigador da U.Porto e especialista em Relações Internacionais, considera que as consequências do atentado que vitimou o Presidente guineense “são nesta altura absolutamente imprevisíveis”. Ainda assim, o investigador destaca o facto de o atentado poder “pôr em causa todos os esforços de gestão de conflito e de estabelecimento da paz, tanto dos organismos internacionais (ONU) como dos regionais (União Africana)”.

Evidente é também, de acordo com o investigador, “a polarização da sociedade daquele país africano mesmo após a realização de acto eleitoral, algo que fica bem patente neste cenário contínuo de golpe e contra-golpe que caracteriza a história contemporânea” da Guiné-Bissau.

A morte de Nino Vieira ameaça, nas palavras de Rui Novais, “a segurança e estabilidade regional de uma área geográfica já muito penitenciada pelos recentes conflitos na Serra Leoa e na Libéria”. A situação na Guiné é “preocupante”, principalmente se se verificarem êxodos populacionais, à semelhança do que aconteceu nos Estados vizinhos.

Para o especialista em Relações Internacionais, o assassínio do Chefe de Estado guineense coloca desafios “aos países vizinhos – com particular incidência em termos da acção da Nigéria enquanto actor sub-regional dominante – e aos demais membros da CPLP”. Rui Novais salienta ainda o facto de as circunstâncias em que o regime de Nino Vieira foi deposto retirarem “legitimidade aos perpetradores do golpe enquanto alternativa de poder”.