Observaram mulheres em festas de música de dança no grande Porto, estudaram as suas conversas e, por fim, entrevistaram, “em profundidade”, 16 clubbers. Conseguiram, assim, traçar os seus “retratos sociológicos” e desenvolver o estudo “Olhares, experiências e retratos de mulheres na música electrónica de dança” apresentado, esta terça-feira, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP).

A investigação quer reflectir sobre as “experiências de mulheres no clubbing” e as “implicações desta prática social em termos de vivências, de poder, autonomia, sexualidade ou uso de drogas”, explica João Teixeira Lopes, coordenador do Instituto de Sociologia da FLUP e moderador da apresentação.

Para este estudo, a equipa de três investigadores do instituto contou com o apoio da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). A investigação foca-se em três microculturas da música electrónica: o techno, o drum`n`bass e o trance. “Sub-géneros” escolhidos porque se agitam no “underground”, que “será um domínio onde se podem experimentar novas feminilidades” de uma forma mais “aberta”, dado não existirem “lógicas comerciais tão presentes”, justifica Teixeira Lopes.

Procuraram-se mulheres clubbers com percursos de vida diferentes, negando-se assim a “homogeneização do conceito de mulher”. As entrevistas revelam o que “têm em comum e de diferente” em relação a outras, ou seja, em que medida se aproximam ou se afastam da “regra sociológica” e como “certos valores familiares e preconceitos são accionados no papel de clubbers“.

Depois de uma breve contextualização histórica sobre a emergência da música de dança no mundo e sobre o germinar da “cena electrónica no Norte de Portugal”, orientada por Paula Guerra, os outros membros da equipa de investigação, Pedro dos Santos Boia e Lígia Ferro, apresentaram os resultados da pesquisa.

As diferenças entre clubbers

O estudo conclui que, enquanto o “clubbing mainstream” é caracterizado por uma “lógica de dominação masculina”, no “clubbing underground” há uma “maior libertação da mulher”. Neste aspecto, o circuito techno afirma-se como aquele com maior “dominação masculina”, comparativamente aos “sub-géneros” estudados. “Foram as frequentadoras de festas techno que mais foram vítimas de tentativas de violação e de controlo sexual”, refere Pedro Boia.

O nível de poder da clubber tecnho dentro das festas está relacionado com as suas características sociais: “baixas qualificações profissionais e académicas e baixas posses económicas”.

Ainda assim, nas festas techno assiste-se ao “afrouxar de diferenças sociais”, afirma Pedro Boia, o que permite um certo “empowerment” das mulheres relativamente à sua condição social e financeira exterior. As clubbers do techno “não se preparam conforme os estereótipos sociais, como no house“, declara uma das entrevistadas que frequenta as festas deste género musical.

Já as clubbers do drum`n`bass e do trance são “maioritariamente estudantes e profissionais artísticas, da classe média”. O circuito do trance é aquele que mais se opõe ao do techno, o que espelha a pertença a diferentes “classes sociais”: há um apagar da relação de domínio “clássico” entre homem e mulher. “É um espaço de igualdade de género” que se transpõe “para a vida doméstica a dois”, como testemunha uma frequentadora de eventos trance.

Nas “construções identitárias” que se arquitectam no seio destas festas, as mulheres clubbers activam “valores, educação e disposições de classe”, diz Pedro Boia. Mas verifica-se também uma tentativa de romper com comportamentos estruturais. Para a entrevistada do trance, as festas serviam como meio de se libertar “da repressão da sexualidade” que havia “no espaço familiar”.

Os episódios de violência que se têm registado nas festas de drum`n`bass e de trance, protagonizados, segundo as entrevistadas, pelos “gunas do techno“, fazem com que as mulheres se queiram afastar deste circuito clubbing, vontade que significa um “retorno à feminilidade tradicional”, afirma Lígia Ferro.

O estudo conclui ainda que é nas clubbers tecnho que o “uso recreativo de drogas” conduz mais facilmente à “dependência”. Rosa (nome fictício), de 41 anos, teve de deixar de ir a festas de tecnho porque o consumo de drogas, principalmente de ecstasy, estava a perturbar a sua actividade profissional de vendedora de peixe.