Quase um ano depois do processo «Apito Final», que relegou o Boavista para a Liga de Honra, Álvaro Braga Júnior, presidente do clube do Bessa, concedeu uma entrevista ao JPN onde aborda a crise financeira intensa e o futuro dos «axadrezados». Para o líder boavisteiro, a descida aos distritais “tem que estar na mente” dos adeptos. Num discurso mais comedido do que o habitual, voltou a tecer críticas à Liga de Clubes em todo o processo «Apito Final», acredita que o emblema centenário será recolocado na Liga Portuguesa e ainda falou de “concorrência desleal” nas relações entre outros clubes e câmaras municipais.

JPN: Em que pé está o processo de resolução dos diversos problemas financeiros do Boavista?

ABJ: Eu diria que estamos com alguma expectativa. Não temos a capacidade do “toque de Midas” as situações são, obviamente, complicadas. Eu diria que os problemas do Boavista eram demasiadamente latos para se resolverem com facilidade mas temos algum conforto. Por exemplo, ter uma empresa como a Portugal Telecom (PT) que tem intenções, mesmo que momentaneamente, num jogo de futebol com fins de caridade, em ser nossa parceira, naturalmente dá-nos um conforto que não teríamos se tivéssemos todas as empresas alheadas de nós. Ter tido um jantar como tivemos na Associação Comercial do Porto (ACP), em Dezembro, obviamente que é também importante para nós.

Essa parceria com a PT não esconde o elevado défice que o clube e a SAD registam conjuntamente e que decorre da gestão da anterior direcção…

Não, claro que não! Não perca de vista que estamos a falar de um jogo de futebol, com uma equipa da dimensão do Benfica que se disponibilizou logo para estar presente nesta iniciativa. Não estamos a falar de receitas de um campeonato portanto temos que ter a noção das coisas, mas é muito agradável, resolve alguns problemas pontuais e se calhar ajuda-nos a ter mais fé no futuro.

Pode confirmar que a dívida que o Boavista comporta nas suas contas, actualmente, ronda os 100 milhões de Euros?

Não são esses números. Julgo que neste momento, e porque é difícil contabilizar juros ao dia, entre clube e SAD, a dívida poderá andar entre os 75 e os 80 milhões de Euros, somados os dados do clube e da SAD. Este valor decorre, sobretudo, dos encargos com o estádio e, aí, o Boavista foi claramente prejudicado em relação a todos os outros clubes quer nos apoios recebidos por via directa do Estado, quer nos apoios recebidos por via indirecta.

Esse montante específico já foi reduzido de alguma forma?

Não, nem poderia ser. Neste momento, o que reduzimos foi todo o tipo de orçamentos. Temos 12 modalidades amadoras e 2 profissionais – o ciclismo, que é auto-suficiente, e o futebol. Neste último, reduzimos os orçamentos e, claro, com custos desportivos. Mas tinha que ser assim, pois de outra forma seria insustentável levar isto para a frente.

Uma das suas batalhas passa por arranjar um investidor que “pegue” no Boavista. Há boas perspectivas quanto a esse dossier?

Eu procuro ser muito realista. Quando a esmola é grande, é claro que o pobre desconfia. Quem quiser colocar aqui dinheiro quase sem se perceber muito bem porquê, obviamente que desconfio. Já tive gente séria com quem negociei, e vamos ser claros: a actual crise mundial não ajuda a que as coisas sejam simplificadas. Nessa questão do investidor, começo a descrer e daí que tenha invertido um bocado a situação procurando ancorar-me a mim e ao Boavista em empresas que são credíveis e fortes. A PT é uma grande empresa nacional e tê-la do meu lado, dá-me um enorme conforto, por exemplo. A única coisa que posso fazer quando tenho a felicidade de ter alguém que está disponível para ajudar numa situação como estas é tentar saber corresponder para que essa parceria não seja só momentânea e possa progredir no tempo. E, depois de vir uma empresa destas, poderão vir outras.

A penhora realizada ao Estádio do Bessa como garantia para pagamento de dívidas foi temporariamente suspensa em Novembro. Ainda há o risco de se perder o complexo que é propriedade do clube?

Estamos numa fase de espera e de grande serenidade quanto a essa matéria porque a Câmara Municipal do Porto (CMP) já deu a garantia de que não alterará o Plano Director Municipal (PDM) e não creio que alguém vá comprar o estádio à espera de um milagre. Isto é um estádio para competições desportivas e tem uma manutenção fortíssima. Eu não tenho a CMP a pagar a manutenção do estádio, tenho os serviços do clube a tratar disso. Portanto, acredito que ninguém vai comprar isto sem saber muito bem qual será o futuro possível aqui e dentro de quanto tempo será. Mesmo para os especuladores, o actual momento não é bom.

Que resposta tem a dar, apesar de tudo, aos críticos que dizem que não toma as posições que deveria tomar em prol do Boavista?

Não tenho recebido essas críticas, não me parece. Bem pelo contrário, tenho tido um apoio inquestionável dos associados. Nunca tive uma reunião de sócios ou assembleia-geral com menos de 500, 600 pessoas, o que é notável face à situação em que o Boavista se encontra. Admito que uma ou outra pessoa possa ter uma opinião divergente, mas recebo dezenas de e-mails todos os dias e 90% deles são favoráveis àquilo que temos tentado. E acho que os sócios do Boavista sabem que nós estamos aqui numa tentativa de manter a porta aberta e numa grande militância.

O futuro do Boavista no futebol profissional está seriamente em risco? Afinal, se não se puder inscrever na Liga, também não pode na FPF e os distritais poderão ser a realidade do clube na próxima temporada…

Medidas contra incumpridores:”A Liga deu um tiro nos pés”

Essa é uma possibilidade que tem que estar na mente das pessoas. Os clubes serão sempre aquilo que as suas massas associativas quiserem que seja ou que possam ser… Vamos ver. O campo das hipóteses é vago e essa realidade não é um dado adquirido. Continuamos a viver o dia-a-dia pensando no futuro e estamos a alavancar soluções para esse futuro.

Com as medidas que a Liga de Clubes quer ver aprovadas em Assembleia-Geral de clubes, os emblemas incumpridores em termos de salários podem ser impedidos de se inscrever na época 2009/2010…

Para andar precisamos de ter duas pernas e, como eu já disse numa reunião de Direcção da Liga, esta é uma proposta manca. Por uma razão muito simples: se todas as entidades patronais sem excepção, num momento de grande dificuldade, reclamam medidas excepcionais, se isto não for feito também em relação aos clubes, estamos a ser politicamente correctos mas também a ser desportivamente explosivos porque estamos a dar um tiro nos pés. Os clubes não são nem mais nem menos do que a realidade da sociedade neste momento. Pergunto-lhe: temos o caso emblemático da Qimonda. Conheço gente que trabalha lá, agregados familiares que estão muito preocupados com o possível fecho da Qimonda. Essas pessoas dizem-me “bem, se estiver dois meses sem receber mas a Qimonda não fechar, estou disponível para continuar”. Se o futebol achar que, quando algum clube tem dois meses de salários em atraso, deve concluir a sua produção, estamos a dar um tiro nos pés, estamos a ser hipócritas e a ir pelo caminho do politicamente correcto. O futebol deve lutar para ter medidas excepcionais num período excepcional.

Que mecanismos de apoio e recuperação aos clubes com mais dificuldades é que propõe?

Não me parece que haja clubes com mais ou menos dificuldades. Acho que há clubes com as mesmas dificuldades e basta olhar para os relatórios de contas dos chamados três «grandes» para perceber isso mesmo. Esses clubes têm mecanismos que nós não temos – mérito seu – mas têm enormes dificuldades. O que acho é que o futebol deve pedir mecanismos de protecção e de apoio. Deve também assumir que foram cometidos alguns erros de gestão, mas não de forma envergonhada. Neste momento parece que ser dirigente de um clube de futebol é sinónimo de ser um criminoso, quase que um aldrabão e alguém que parece ser capaz de cometer as maiores aldrabices. Não é verdade. Conheço a esmagadora maioria dos dirigentes do futebol português e são pessoas de reputação inatacável que na sua vida pessoal e profissional têm tido grande sucesso. Aquilo que acho que o futebol legitimamente deve fazer é reclamar aquilo a que tem direito. E se depois desse apoio, os clubes não tiverem capacidade para superar as dificuldades, pois bem: que fechem as portas ou que se redimensionem. Mas não podemos estar a fazer do futebol o bode expiatório, porque qualquer dia culpam-se os dirigentes do mundo do futebol pela crise nacional que atravessamos.


Afirmou que a Liga de Clubes deveria discutir primeiro com o governo esta medida de punição dos clubes incumpridores em termos de salários…

O que eu disse na tal reunião de Direcção da Liga de Clubes é que o sr. Presidente da Liga de Clubes deveria marcar de imediato um encontro com o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto e com o Ministro das Finanças para se procurarem esses mecanismos. Se (Hermínio Loureiro) quiser assumir somente uma postura em nome da transparência e em nome da realidade e do rigor, essa proposta é manca logo à nascença.

Então, Hermínio Loureiro deu um passo em falso nesta matéria?

Não, foi mesmo um tiro no pé! Corre-se o risco de eventualmente, os clubes fecharem. Ou, então, e que é tão ou mais grave, se os clubes não fecharem porque alguns têm possibilidade de recorrerem a governos regionais ou câmaras municipais, como que “pendurados” no Orçamento de Estado, há alguma mentira na competição desportiva. E a verdade desportiva, por esse prisma, também não está a ser cumprida.

A Liga de Clubes deveria também olhar para esses casos de concorrência desleal e só depois propôr estas tais medidas de combate aos incumpridores?

É fácil fazer o discurso do politicamente correcto. Falar em transparência e rigor é extremamente correcto mas também pergunto o seguinte: reduziram-se os quadros competitivos da Primeira e Segunda ligas para 16 equipas cada uma. Ainda não vislumbrei nenhuma vantagem. E, portanto, são estas medidas avulso que eu contesto porque tudo o que não é estudado e estruturado, até pode ter sucesso, mas corre o risco de entrar em falência.