Comemora-se este fim-de-semana – com direito a presença do presidente da República e às cerimónias de protocolo – aquele que é um dos episódios mais marcantes da história da cidade do Porto. Para os que não conhecem a história da Ponte das Barcas, fica uma primeira achega. Foi numa quarta-feira “negra”, a 29 de Março de 1809, durante as segundas invasões francesas, que se instalou o pânico no Porto, levando militares e civis a fugir pela Ponte das Barcas, que acabaria por ceder e colapsar nas águas do rio Douro.

Não se sabe ao certo quantos pereceram neste episódio fatídico. No entanto, há relatos de que tenham morrido afogadas cerca de quatro mil pessoas, incluindo mulheres e crianças. O historiador do Porto Germano Silva assevera que foi a “maior catástrofe que houve no Porto desde sempre”. O facto de terem morrido centenas de inocentes, pessoas que apenas queriam fugir à guerra, deixou uma marca trágica na memória da cidade. “Uma mortandade muito grande”, descreve Germano Silva.

Sob o comando do marechal Soult, as tropas de Napoleão entram na cidade. Germano Silva, afirma que “as defesas eram muito frágeis”. Convicção corroborada por Júlio Couto, que relata ao JPN que “a defesa do Porto tinha sido perfeitamente inócua”.

A invasão francesa de Chaves até ao Porto

Chaves foi ocupada sem resistência a 12 de Março. As tropas francesas, lideradas por Soult, avançaram assim para Braga, a caminho do Porto. Com a noção de que não teriam hipótese perante as forças napoleónicas, e que com uma ocupação da cidade, viriam os saques e as violações, a população portuense entra em pânico e, no dia 29, desce para a Ribeira e tenta escapar para Gaia, através da Ponte das Barcas.

O Bispo do Porto, D. António de S. José e Castro, que na altura representava a autoridade, assumindo o cargo de comandante militar da defesa da cidade, partiu no dia 28 para a serra do Pilar. Abençoou as tropas e disse que por uma razão de estratégia ia para o outro lado do rio. Germano Silva acredita que se tenha apenas escudado lá, “para salvar a pele”. Da mesma opinião é Júlio Couto, que caracteriza o bispo como “inepto” a dirigir.

Uma história com várias versões

Dois séculos depois, existem diferentes opiniões sobre a razão do desastre. Diz-se que a ponte não terá aguentado a pressão da multidão e que se desfez. Júlio Couto defende exactamente esta versão. O pânico foi tal que quando os franceses chegaram à ribeira já boiavam centenas de corpos no rio Douro.

Por outro lado, há relatos de que alguém teria aberto um alçapão na ponte, para impedir que os franceses a atravessassem. Sérgio Veludo, docente na Escola Superior de Educação do IPP e especialista em história militar, considera esta versão mais plausível, pelo menos a nível militar. Assim, poderiam ter sido “os sapadores militares portugueses” a retirar “pranchões da ponte para impedir a passagem das tropas francesas para o sul do Douro”, para obstruir o avanço do inimigo.

Independentemente da versão mais acertada, a verdade é que algo mudou no Porto que viu ruir a Ponte das Barcas. ” Teve características fortemente traumáticas para os portuenses”, realça Sérgio Veludo, sobre o dia em que a Invicta deixou de o ser.

De facto histórico a “piedade popular”

A zona da ribeira do Porto é conhecida pela sua tradição religiosa. As “Alminhas da Ponte”, o baixo-relevo em bronze de Teixeira Lopes (pai), em memória dos que morreram no desastre da Ponte das Barcas, é ainda um local de culto para alguns portuenses. O historiador Germano Silva conta que a obra manteve uma recordação emotiva das pessoas que morreram no desastre.

Porém, hoje em dia, e como explica Júlio Couto, com o passar do tempo, as “Alminhas da Ponte” tornaram-se “um facto de piedade popular” e passaram a ser “veneradas como intercessoras junto de Deus”.

“O imaginário popular não tem limite”, declara o historiador do Porto. Opinião partilhada por Júlio Couto: “as pessoas têm a necessidade de um imaginário, a necessidade de que alguém as guie”. Uma simples manifestação de religiosidade popular que 200 anos depois ainda sobrevive, juntamente com a memória da Ponte das Barcas.