Quando não se escreve, mas se fala, quando não se lê, mas se vê, quando não se está de fora, mas dentro do processo, quando não se é apenas um receptor, mas um receptor-emissor-participante, monta-se uma revista “ao vivo”. Foi o que fez a equipa da “Um Café”. Este mês, a revista aconteceu. Os artigos personificaram-se e foram paginados, por autores e leitores (que também foram autores), em momentos que se compuseram no último sábado, no clube Breyner 85.

A “Um Café” celebrou um ano sem imprimir palavras. Esta publicação, mensal e gratuita, é uma “iniciativa de jovens do Porto, de diferentes campos – literatura, arte, filosofia, ilustração, música, história -, que acreditam na cidade e na cultura do Norte”, diz Ana Neto, redactora desde o início e editora cultural “nestes próximos seis meses” (o cargo é rotativo). Para esta colaboradora, a “Um Café” constitui uma “visão que faltava ao Porto”, uma cidade que está “em grande crescimento” e à qual só falta unir sinergias entre as “muitas pessoas que fazem coisas interessantes”, salienta.

Como forma de marcar a “transição” editorial, que se vai orientar “mais pela arte”, e o primeiro aniversário da “Um Café”, Ana Neto aproveitou o facto de dirigir uma empresa de eventos – a Sociedade Portuense, Outras Tendências (S.P.O.T.) – para “apresentar a revista em forma de evento” [Vídeo]. “Vamos juntar todos os artistas que participaram até agora em tertúlias, num café filosófico, exposições, concertos” e “viver a ‘Um Café'”.

A interactividade sem monitor

Olhar as treze capas da “Um Café” numa instalação, apreciar a ousadia singular dos cartazes publicitários dos vinhos Ramos Pinto ou seguir a montagem da exposição de BD de Rupert Tempest são os vários acompanhamentos – que se prolongam pelos dois andares de fulgor burguês oitocentista do Breyner 85 – para os cafés de menta-chocolate ou de canela oferecidos à entrada.

Começa-se a tirar o café cheio, com sabor a filosofia. A partir do texto “O Espelho”, uma das micro-estórias que preenchem o livro “Senhor Valéry”, do escritor português Gonçalo M.Tavares, os participantes formulam perguntas que vão estimular a troca de opiniões, moderada por Tomás Carneiro, o fundador da “Um Café”. Em pleno jardim, animado por copos de vinho do Porto, desenlaça-se uma discussão sobre o que é a beleza, a fealdade, a temporalidade ou intemporalidade dos conceitos, a influência do olhar dos outros na construção da nossa identidade.

Foi o “prazer da conversa” que trouxe Chantal à festa da “Um Café”. “É cada vez mais difícil falar com pessoas e ouvi-las se não for por detrás de um monitor”, afirma a leitora da revista e uma presença assídua nos cafés filosóficos organizados por Tomás Carneiro no Clube Literário do Porto. Maria José Reduto e Né Anselmo são outras seguidoras dos cafés filosóficos. “É um pretexto para ouvirmos os outros, para discutirmos e sermos moderados”, diz Né Anselmo, que promete fazer oficinas filosóficas na loja-atelier que partilha com Maria José, “Coisas Assim”.

Da filosofia passa-se para o workshop sobre medicina chinesa, dirigido para o público mais velho. O leilão dos Galos de Barcelos, obras tradicionais de roupagem contemporânea vindos da loja Águas Furtadas, foi o momento mais humorado da tarde e onde se deu asas ao dinheiro para fazê-lo chegar à associação de solidariedade Nariz Vermelho. “Juntámos cerca de 300 euros, o que é bastante bom”, indica Tomás Carneiro.

E como a “Um Café” quer “celebrar aquilo que caracteriza o Porto”, aponta Ana Neto, a rubrica “Café Histórico sobre o Porto”, de Leonor Botelho, não podia deixar de aparecer em forma de tertúlia. “Vou tomando cafés pelo Porto, falando daquilo que se pode ver na cidade e contando pormenores históricos”, explica a jovem historiadora, que quer chamar a atenção de “pormenores” do Porto que com a “pressa do dia-a-dia” passam despercebidos “aos cidadãos em geral”.

Para novos e velhos

A presença de muitos leitores da revista criou um ambiente bastante familiar, apesar de haver alguns curiosos que tentavam perceber o que se passava ali ou mesmo o que era o Breyner 85. Ao final da tarde, saíam os leitores mais velhos e chegavam os mais novos. “A revista conseguiu arranjar dois públicos completamente diferentes”, explica Tomás Carneiro. “Temos pessoas dos 40 para cima e dos 20 até aos 35”, o que espelha a “heterogeneidade” da “Um Café”, assinala o editor.

A noite foi direccionada para os leitores “mais jovens”. Os Ela Simplório, banda das Caldas da Rainha, abrem a sala-concerto em tonalidades rock-experimental, com apontamentos de jazz e funk. Depois das sessões de poesia (afinal, também era o dia mundial da poesia), o duo Freimatic e os dj`s Gui, Rupert Tempest, ApartD222, Marl.On e Kalman fecharam a última página da 13ª edição da “Um Café”. Com a primeira experiência “ao vivo” a ter “resultados positivos”, a “Um Café” pode vir a sair mais vezes do papel: “se calhar daqui a quatro meses, mas num espaço diferente, que também tenha a ver com a revista. Vamos a isso!”, diz, entusiasmada, Ana Neto.