Cadelas a passearem elegantemente pelas salas de exposições da Cooperativa Árvore; gatos estendidos nas escadas a regozijarem-se com o bater do sol. Parecia que o cenário se havia moldado à ocasião, em jeito de ilustração para o encontro “Os animais na poesia de Eugénio de Andrade”, o primeiro passo da iniciativa pensada por Jorge da Cruz Santos, amigo e editor do poeta, com o intuito de fazer com que a memória deste não se desvaneça.

O impulsionador deste ciclo de sessões de homenagem a Eugénio de Andrade não marcou presença na primeira tertúlia, esta terça-feira. Mas o escritor português foi relembrado pelo director da Cooperativa Árvore – “casa sua”, dizia Eugénio -, por Manuel António Pina, António Durães e pelo neto de Jorge da Cruz Santos. Coube a este último abrir o encontro com a leitura de um texto do avô dedicado a Eugénio de Andrade, falecido em Junho de 2005.

“Não me sinto com competências específicas para falar sobre a poesia do Eugénio de Andrade, mas vim porque sou amigo dele e da sua poesia”, disse Manuel António Pina. E é “fundamental lutar contra o obscurantismo do esquecimento”, acrescenta o poeta e jornalista.

Acerca da temática que suporta o encontro, Manuel António Pina explica que “a poesia tem uma relação privilegiada com os animais”, pela “inocência” que eles transportam. “É no olhar dos animais que Eugénio encontra a forma absoluta e verdadeira do olhar, que é a poesia”.

Relembrando que a “vocação animal” dos escritos de Eugénio passa muito pela sua paixão pelos gatos – que representam “a beleza do efémero e a efemeridade da beleza” -, Pina deu a palavra a António Durães, que leu doze breves poemas sobre animais de Eugénio de Andrade, entre os quais “Cabras”, “A Visita do Príncipe”, “Acerca de Gatos” ou “A verdade poética”.

“Uma relação de conhecimento pelo amor”

Depois da leitura dos poemas, Manuel António Pina convocou nomes de alguns poetas que têm também uma propensão animal no seu trabalho, casos de João Cabral de Melo Neto. Mas ao contrário do poeta brasileiro, Eugénio conquistou “um olhar interior, próximo, vivido”. Esta intimidade é fruto de uma relação “com o indivíduo concreto, com circunstancialidades próprias, e não com símbolos ou conceitos da natureza”, sublinha o jornalista.

O encontro prolongou-se por mais de uma hora e meia, com Manuel António Pina a contar alguns momentos partilhados com Eugénio de Andrade, um homem “capaz de ser muito severo – capaz, por exemplo, de recusar receber um “rapaz nórdico, estilo Rambeau”, que veio a Portugal e foi a casa de Eugénio para o ver -, mas, ao mesmo tempo, de ter uma “generosidade incrível” – como copiar, à mão, parte de um livro de Manuel António Pina e dar-lhe como dedicatória.

O próximo encontro decorre a 14 de Abril, terça-feira, de novo na Cooperativa Árvore. Desta vez, o mote contra o esquecimento será “A infância na poesia de Eugénio de Andrade”.