Os índices de incidência da TB em Portugal continuam a ser dos mais elevados na União Europeia. Mesmo assim, nos últimos anos tem-se registado uma diminuição no número de infectados e de mortes por TB. Raquel Duarte, que tem vindo a debruçar-se sobre o estudo e tratamento desta doença, explica que só uma posição cada vez mais agressiva em relação à TB permite que, no futuro, seja erradicada.

JPN: A tuberculose está a diminuir em Portugal, mas surgem novas ameaças associadas a esta doença. Que ameaças são essas?

RD: A tuberculose associada à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (co-infecção TB/VIH) e o desenvolvimento de resistências aos antibacilares. A co-infecção TB/VIH traz problemas em termos de dificuldade diagnóstica e terapêutica. As manifestações da tuberculose, nestes doentes, são frequentemente paucibacilares (com poucos bacilos) e extrapulmonares, exigindo o frequente recurso a meios complementares mais invasivos do que no indivíduo imunocompetente. A radiografia pulmonar, uma das principais armas diagnósticas no indivíduo imunocompetente, pode ser perfeitamente normal nestes doentes e, no entanto, o indivíduo ter uma tuberculose pulmonar. Traz outros problemas em termos de medicação. A associação à infecção VIH pode condicionar a multiplicidade de tratamentos que podem fazer perigar a adesão ao tratamento, para além de aumentarem o risco de toxicidade medicamentosa, interacções entre fármacos e efeitos colaterais.

Portugal ainda é um dos países da União Europeia com a incidência de tuberculose mais elevada. A que se deve este facto?

Portugal tinha um dos valores mais altos de incidência de tuberculose e apesar de ter vindo a conseguir diminuir a sua incidência de uma forma consistente partiu sempre de uma posição mais desvantajosa. Hoje temos de ter uma posição mais agressiva em relação à tuberculose. Garantir que o doente seja rapidamente diagnosticado e tratado. Garantir a adesão ao tratamento até ao fim. Identificar os seus contactos, rastreá-los. Tratar os indivíduos com tuberculose infecção (não doentes mas potenciais novos casos no futuro) e fazer mediação preventiva nas crianças e doentes imunodeprimidos. Rastrear populações vulneráveis com a mesma intenção. Estas medidas são as únicas que visam a eliminação da doença na comunidade.

Quanto à Tuberculose multirresistente, quais são as principais causas do aparecimento destas novas variantes?

Nos anos 90, começaram a ser descritos os primeiros casos de tuberculose resistente aos fármacos anti-tuberculosos e em 2005 são descritos os primeiros casos de tuberculose resistentes a fármacos de primeira e de segunda linha. Estes casos são potencialmente intratáveis, assumindo que podem ser criadas resistências a todos os fármacos anti-tuberculosos. O desenvolvimento de resistências associa-se à utilização de maus esquemas terapêuticos e à má adesão ao tratamento (tratamentos irregulares e abandonos). A TBMR não é ainda uma situação preocupante no nosso país. Em Portugal, a tuberculose multirresistente tem vindo a reduzir, representando actualmente 1,6% do número total de casos de tuberculose em 2006 (1,5% nos casos novos e 6,5 nos retratamentos). É uma proporção comparável à mediana na União Europeia.
Se a TBMR ainda não é uma situação preocupante, já o é o facto de cerca de metade dos casos de TBMR serem tuberculose extremamente resistente. Estes casos condicionam a necessidade de utilização de fármacos menos eficazes, mais tóxicos e mais caros para além de exigirem um tempo de tratamento (se tudo correr bem) de pelo menos 3 a 4 vezes mais tempo do que num caso de tuberculose sensível aos fármacos de primeira linha, podendo ainda virtualmente ser intratáveis.

No 16º Congressso de Pneumologia do Norte, falou dos centros de referência que irão ser criados pelo país, a começar já pelo Porto. O objectivo passa por criar um sistema que ligue em rede vários pontos de país?

Como já disse, o tratamento da TBMR exige o recurso a fármacos de 2ª, 3ª, 4ª e 5ª linha, menos eficazes e mais tóxicos. A utilização de esquemas eficazes, seleccionados por colegas com mais experiência, nas doses correctas e durante o tempo correcto vai permitir que não se desenvolvam mais resistências e evitar o aparecimento das formas extremamente resistentes. A existência de centros de referência permite centralizar estas decisões num perito que terá a responsabilidade de propor o esquema terapêutico, garantir o fornecimento ininterrupto dos fármacos, vigiar e corrigir os efeitos colaterais. Já existe um centro de referência nacional, em Lisboa, coordenado pelo Dr. Miguel Villar. A existência de centros de referência regionais vai permitir melhorar a dinâmica desta articulação dando resposta a todo o país. O centro regional no Porto vai entrar em funcionamento a 23 de Abril deste ano.

O Serviço Nacional de Saúde actual tem os recursos e a organização necessários ao combate à tuberculose?

Temos aplicado bem o programa de luta contra a tuberculose. A comprová-lo temos os valores da taxa de detecção (muito acima dos 70% previstos pela OMS) e da taxa de tratamento com sucesso (também muito acima dos 85% previstos). Com a reforma dos serviços de saúde corremos o risco de assistirmos a uma saída de profissionais de saúde dedicados à tuberculose. Já assistimos a uma falta de recursos humanos dedicados a esta patologia, mas se perdermos os profissionais com experiência corremos o risco de piorar a detecção (não se suspeita se não se pensar em tuberculose), de piorarmos a performance em termos de tratamento e aumentarmos as resistências (a menor experiência pode condicionar maus esquemas).

Além dos centros de referência e dos testes rápidos de diagnósticos da TB multirresistente, que outras medidas devem ser tomadas para prevenir e acelerar o diagnóstico e tratamento da tuberculose?

Ao nível da detecção, podem-se criar medidas formativas na comunidade com vista a aumentar o nível de conhecimento sobre a doença e a melhorar a acessibilidade aos cuidados de saúde das populações vulneráveis. No laboratório, dever-se-á melhorar a articulação entre as consultas de tuberculose e os laboratórios. Finalmente, ao nível do tratamento, devemos assegurar um quadro de recursos humanos treinados em tuberculose, publicar normas de actuação e aprender a trabalhar seguindo-as. em funcionamento os centros de referência que podem dar apoio a todo o país. Garantir quartos para internamento dos doentes TBMR em condições de segurança.