Especialista em Genética, Cláudio Sunkel investiga para tentar “perceber melhor como é que a célula é capaz de se duplicar e dividir, mantendo-se ao longo do tempo tão perfeita”. Com 51 anos, o cientista que nasceu no Chile e estudou em Inglaterra é a nova cara do IBMC. Em entrevista ao JPN, Cláudio Sunkel diz que quer deixar uma marca pessoal na gestão do Instituto, com mudanças ao nível da “orgânica interna” e sempre com a internacionalização em vista. Mote para uma conversa cujo arranque é inevitável…

JPN: Como é substituir Alexandre Quintanilha na direcção do IBMC?

CS: É uma tarefa difícil. Eu trabalhei com o Professor Quintanilha muitos anos, conheço-o desde que ele chegou. Aliás, eu cheguei a esta instituição antes dele. E fiz parte do grupo de pessoas que a desenvolveu, só que mantive um perfil mais low. Eu fiz, faço e pretendo continuar, no futuro, a fazer investigação. Para mim, não fazer investigação significaria morte. Agora tenho que conciliar as duas coisas: a investigação e a gestão. O que não estava dentro da minha alçada era ser a imagem fora da instituição. E, de facto, ele tem um perfil e um carisma que o transformaram numa pessoa muito mediática. Eu não posso tentar imitar o Professor Quintanilha. Tenho que dar a cara pela instituição e tenho que fazer a divulgação do que nós queremos fazer, mas o meu programa não chega só a essa divulgação. Não é só manter a instituição, continuar com aquilo que se tinha vindo a fazer. Eu tenho ideia de que há coisas que têm que ser alteradas.

Quais são as principais mudanças que o novo programa traz ao Instituto?

Uma das coisas a fazer é definir políticas científicas para os próximos anos, e isso tem que ser feito em conjunto com todos os investigadores. Agora que há outros desafios, como a nova Genética, as células estaminais, onde é que o IBMC se posiciona? Depois há outros desafios importantíssimos. O cerne da nossa instituição é a investigação de excelência. Mas não podemos participar em todas as áreas de investigação da Biologia, isso é impossível. E, de alguma forma, vamos ter que definir qual o caminho. Depois há duas coisas fundamentais: a primeira é que a Universidade do Porto está a mudar, com a passagem a Fundação. E o IBMC, conjuntamente com o INEB, aceitou o desafio de participar nessa Fundação. É preciso encontrar o nosso espaço dentro da UP, em conjunto com a reitoria e com as faculdades que trabalham connosco: Ciências, Medicina, ICBAS, Farmácia. E a outra é que temos que ter uma ligação com as empresas. Temos que atrair investimento e convencer os investigadores de que trabalhar com uma empresa é bom, é importante e valoriza os resultados. A investigação é o centro, mas depois é preciso que isso tenha uma tradução e uma valorização.

Essa integração pode passar pela concretização do projecto do I3S?

Uma parte pode ser, embora o projecto I3S tenha uma característica muito mais de aglomeração das três instituições. Mas a ideia do I3S está a ganhar força; fez-se um consórcio que tem vindo a trabalhar no desenvolvimento de um projecto, juntamente com a UP, que está muito interessada em ter uma grande instituição de investigação. Mas é muito mais relacionado com orgânica interna. Seja IBMC ou I3S, vamos ter que ir lá fora buscar colaboradores. Não podemos, de maneira nenhuma, pensar que o I3S vai estar isolado do resto da UP. Tem que ser um sítio onde as faculdades encontrem soluções para os seus problemas.

Falando agora do Cláudio Sunkel, como é que, nascido em Santiago do Chile e descendente de alemães, vem parar ao Porto?

Eu morei no Chile muitos anos, até que a minha família, na altura do Golpe de Estado, se mudou para Inglaterra. Fiz a Licenciatura, o Doutoramento e o pós-Doutoramento em Inglaterra, e fiquei a trabalhar. Os meus pais voltaram para o Chile, mas eu fiquei por lá. E, quando estava em Inglaterra, conheci uma portuguesa, a mulher com quem depois casei. Ficámos a morar vários anos entre Portugal e Inglaterra, até que decidimos experimentar viver cá, há vinte anos.

Como surgiu o interesse pela Genética?

Comecei a trabalhar no laboratório no primeiro ano da minha Licenciatura, e comecei a fazer investigação com uma mosquinha da fruta, a drosófila, que é um organismo muito utilizado na genética e no estudo da Biologia do desenvolvimento. Interessei-me pela genética e pela utilização dos organismos-modelo para estudar os genes. E, a partir daí, tive uma bolsa do governo inglês para ficar em Inglaterra a fazer o Doutoramento, que foi em Genética. Também foi um momento muito importante na Genética, porque fizeram-se grandes descobertas de como os organismos se desenvolvem e como é que eles se transformam a partir de uma célula, depois da fecundação, num organismo complexo.

E quais os maiores desafios da Genética neste momento?

A Genética deu um salto gigantesco, porque nessa altura nós não tínhamos o conhecimento do genoma que temos agora. Quando estava a trabalhar em Inglaterra, no princípio dos anos 80, a nossa base de dados vinha em disquetes pequeninas, e isso era tudo, uma overdose completa. Agora é conhecido o genoma humano e de muitos organismos. O grande desafio do futuro é começar a perceber como é que essa informação, que está contida nos genes e no genoma, é depois transformada num organismo com características, que se desenvolve, que cresce e que, às vezes, tem doenças.

Que posição defende quanto à questão da clonagem?

Obviamente, sou contra a clonagem humana. Penso que não é um caminho que se deve seguir; a clonagem deve ser utilizada para aquilo que pode ser útil. Acredito, sem problema nenhum, que a natureza tem de fazer o seu trabalho e que os seus mecanismos para a fecundação e procriação são importantes para a evolução. Por outro lado, há problemas muito complexos sobre o que é o clone, e há problemas éticos muito profundos que têm que ser discutidos e analisados. Até agora, embora tenham sido clonados muitos tipos de animais diferentes, há um resultado mais ou menos constante que os organismos resultantes da clonagem não são normais. O nosso conhecimento do processo de desenvolvimento animal ainda não é suficiente para permitir fazer clonagem de uma pessoa, que depois vai ter imensos problemas. Na clonagem mais relacionada com o tratamento de doenças, penso que a animal tem sido muito importante. Tem sido possível perceber que existe um caminho de desenvolvimento terapêutico celular – as células estaminais -, que é um caminho interessante, porque vai à procura da mesma forma como o nosso corpo se refaz constantemente, como os nossos tecidos se reproduzem e se mantêm ao longo do tempo. A clonagem reprodutiva deixa demasiadas coisas à vontade das pessoas que a podem fazer.

Quais as próximas metas enquanto investigador e, necessariamente, enquanto director do IBMC?

Tenho alunos de Doutoramento, projectos de investigação em curso, papers que acabaram de sair, outros que estão no meio da publicação… Portanto, quero continuar a fazer investigação na área que gosto mais, a divisão celular e a proliferação. O que nós queremos é que o nosso trabalho seja reconhecido internacionalmente e para isso tem de ser divulgado na melhor revista de especialidade. Eu gostaria, no futuro, de perceber melhor como é que a célula é capaz de se duplicar e dividir, mantendo-se ao longo do tempo tão perfeita. Na parte da direcção do IBMC, no curto prazo, o objectivo é começar a implementar medidas que permitam pôr em andamento estas mudanças. É preciso começar a mexer um bocadinho na instituição, lançar desafios aos investigadores e aos alunos de Doutoramento. E gostaria que, daqui a uns anos, fosse possível ver que esta instituição evoluiu.