Professor na Faculdade de Ciências e Presidente da Direcção do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP), membro das sociedades Portuguesa e Europeia de Astronomia e da União Internacional de Astronomia, Mário João Monteiro é, sobretudo, um apaixonado pelas estrelas. Em mais uma entrevista inserida no ciclo “UP sob Investigação“, o astrónomo explica o projecto que o CAUP desenvolve em parceria com a NASA e aponta a busca de planetas semelhantes à Terra como um dos grandes desafios da Astronomia actual.

JPN: Com uma carreira tão preenchida, ainda tem tempo para observar as estrelas?

MJM: É preciso arranjar tempo! Hoje em dia, com a parte de administração, os investigadores acabam por ter um tempo mais reduzido para a investigação. Mas o tempo vai dando, nem que seja ao fim-de-semana. A investigação continua a ser a motivação para estar na profissão que estou.

Como surgiu a ligação com a Astronomia?

No secundário não tinha preferências bem definidas. Quando se tratou de escolher a licenciatura, descobri uma nova, no Porto, em Física e Matemática Aplicadas, com vertente de Astronomia. Acabei por achar que, se calhar, seria interessante. A partir daí já nunca mais mudei a minha opção. A Astronomia é uma área científica que aparece no meio da Matemática e da Física e dá-nos a vantagem de facilmente podermos ligar as duas e explorar mais um bocadinho, que é a parte divertida.

Que tipo de trabalho realiza no CAUP, ao nível da investigação?

A minha área de trabalho é a estrela. No CAUP temos uma equipa de origem e evolução de estrelas e planetas, que está centrada em estudar o processo de formação de estrelas e planetas – porque eles formam-se juntos -, e depois a sua evolução, ao longo da vida. A minha área específica de trabalho é a astro-sismologia, precisamente para estudar o interior das estrelas.

O que é que se descobre, concretamente, no estudo da astro-sismologia?

Nós queremos perceber como é que as estrelas se formam, que é um problema ainda em aberto em Astronomia. Ainda não percebemos muito bem como é que as estrelas, por exemplo, chegam a ter uma certa massa. E como é que chegam à parte da formação, da estrela bebé até à estrela adulta. No caso do Sol, como é que funciona, que mudanças sofre. E, ao estudar estrelas parecidas com o Sol, estamos a desenvolver o nosso conhecimento para perceber como é que o Sol evolui. Depois, comparamos as consequências com as observações que temos e concluímos quais os modelos mais adequados e o que é que isso significa em termos de previsões para o nosso Sol.

Com esses estudos, o que apreendeu sobre o “nosso” Sol?

O Sol, nos 30% [mais] perto da superfície, tem um processo a que nós chamamos de convecção: o gás anda às voltas e é isso que transporta o calor cá para cima. Este assunto está na moda porque a sociedade humana cada vez depende mais da tecnologia, que é cada vez mais sensível ao clima espacial. A actividade do Sol tem um impacto directo na sociedade. Perceber um pouco melhor o processo de transporte de energia vai-nos permitir, de alguma forma, clarificar e prever o clima espacial. O nosso Sol ainda continua a ser um bocadinho enigmático. Aquilo que fazemos é tentar melhorar o nosso modelo de estudo para termos capacidade de prever aquilo em que o Sol se vai tornar, a curto e longo prazo.

Perfil

Mário João Pires Fernandes Garcia Monteiro nasceu em Moçambique, em 1967. Em Chaves, onde viveu alguns anos depois de vir para Portugal, Mário João Monteiro escolheu prosseguir os estudos na Universidade do Porto. Inscreveu-se, assim, em Física e Matemática Aplicadas na Faculdade de Ciências (FCUP). A Astronomia, nova vertente do curso na altura, acabou por tornar-se uma paixão. Entre 1990 e 1996, o já docente na FCUP completou Mestrado e Doutoramento em Londres, Inglaterra. É Professor na FCUP desde 1990 e Director do Centro de Astrofísica desde 2006.

Em que consiste o projecto Kepler, em que o CAUP participa com a NASA?

O Kepler é uma missão espacial cujo objectivo científico é detectar outras “Terras” noutros sistemas planetários. O que o Kepler vai fazer é, durante três anos, olhar para uma centena de milhares de estrelas continuamente. O objectivo é encontrar planetas pequenos, sólidos como a Terra, que estejam suficientemente longe da estrela para poderem ser, eventualmente, capazes de ter vida. É o que nós chamamos procurar planetas na zona de habitabilidade. O que a NASA fez foi integrar um consórcio internacional liderado por europeus, no qual estamos envolvidos, para trabalhar no desenvolvimento de ferramentas que permitam classificar a estrela. O Porto está também envolvido no CoRoT, uma missão espacial francesa lançada em 2006, com o mesmo objectivo científico do Kepler, que é determinar planetas e estudar as estrelas. O que acontece é que, por ser uma missão mais pequena, é incapaz de encontrar “Terras”.

Como é estar envolvido em projectos da NASA e da Agência Espacial Europeia (ESA)?

Tanto a NASA como a ESA são instituições muito abertas, principalmente a ESA, porque precisa de uma comunidade científica fortemente envolvida para ter sucesso. O que nós temos feito no CAUP é construir equipas com massa crítica e capacidade de fazer trabalho reconhecido a nível internacional. O importante em termos de uma instituição é ter um grupo que sabe fazer algo bem feito e que é reconhecido internacionalmente. O CAUP também está numa posição favorável, visto que é a maior instituição de astronomia no país, em termos de número de investigadores. Já temos uma rede de colaboradores regulares. É sustentado nessa internacionalização que asseguramos a capacidade de participar em todas as missões da ESA.

A aposta em novos talentos é uma prioridade do CAUP?

Absolutamente. O CAUP tem três áreas de intervenção fundamentais: a investigação, a formação e a divulgação científica. Na parte da formação, aquilo que temos vindo a fazer é apoiar fortemente a formação de astronomia dentro da Universidade do Porto. Nós também crescemos dessa relação porque a UP é a única instituição portuguesa com uma licenciatura em Astronomia e todos os alunos de Doutoramento em Astronomia da UP têm o CAUP como instituição de acolhimento. As actividades realizadas aqui são organizadas no sentido de começar a formação de alunos.

O que é feito no Centro de Astrofísica a nível da divulgação da ciência?

O CAUP já tem divulgação desde a sua criação, em 1990. Mantemos uma equipa de pessoas totalmente dedicada à divulgação. Neste momento temos intervenção em três áreas específicas: o Planetário do Porto, cuja gestão científica é feita pelo Centro de Astrofísica; a Astronomia para as escolas, com actividades que vão às escolas, como um planetário portátil; e a Astronomia para o público, com um conjunto de actividades realizadas no CAUP para trazer cá o público, com workshops e conferências. Nós usamos os recursos humanos da parte da investigação para reforçar estas três intervenções a nível da divulgação científica. O CAUP tem sido um exemplo daquilo que uma instituição de investigação deve ser. Não basta fazer ciência; também temos que convencer o público de que é importante aquilo que fazemos.

Quais são os maiores desafios da Astronomia neste momento?

Em 2008, a comunidade de astronomia europeia juntou-se para identificar os dez desafios científicos para as próximas décadas. Um deles é, claramente, a procura de planetas com condições em que a vida ainda se pode desenvolver. Como é que os sistemas planetários se formam e funcionam, em que condições é possível desenvolver vida. É aqui que entra a nossa equipa, na parte de perceber como é que o sistema planetário evolui. Depois há outros temas igualmente importantes, como a Cosmologia. A origem do Universo, a matéria escura, é um dos problemas que nos continuam a perseguir. Nós apercebemo-nos que aquilo que vemos é muito menos do que aquilo que existe. Ligadas à Astronomia estão outras prioridades, como construir infra-estruturas que nos permitam fazer a ciência que queremos fazer. A Astronomia, hoje em dia, é uma área que lidera sob o ponto de vista tecnológico.

Qual é o caminho que a UP deve seguir?

A Universidade do Porto tem de se afirmar como uma universidade de excelência em investigação. A qualidade da formação que nós damos, que é fundamental, depende intrinsecamente da qualidade de investigação que fazemos. Nós temos que ser capazes de dar um passo mais à frente e mais depressa, no sentido de garantir que a Universidade do Porto tem reconhecimento internacional enquanto universidade que dá formação de qualidade, mas que tem investigação de topo. A nível nacional, não tenho qualquer dúvida de que a UP é a melhor universidade em termos globais. Mas ainda há coisas que é preciso melhorar.