Professor na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e membro da direcção do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO) da UP, Paulo Célio Alves dedica-se à investigação de espécies animais que habitam na Península Ibérica. “Optimista” quanto ao futuro da Universidade, o biólogo fala ao JPN dos desafios da educação para a preservação da biodiversidade em Portugal.

JPN: Qual a importância da investigação que se faz no CIBIO no panorama da Universidade do Porto e de Portugal?

PCA: O CIBIO é um centro de investigação recente que começou com um grupo relativamente pequeno de colegas, cuja principal área de investigação é a biodiversidade, desde o número de espécies à diversidade dos seus ecossistemas. Isto está inteiramente ligado à Biologia, que é o nosso forte, mas também tem aplicações na agricultura e na veterinária, razão pela qual viemos para o Campus Agrário de Vairão. Agora temos à volta de cem investigadores aqui e o CIBIO já tem um pólo nos Açores. E, de facto, começa a ter uma certa projecção a nível nacional e mesmo dentro da Universidade, porque neste momento há um curso do 2º ciclo em Biodiversidade, Genética e Evolução (na FCUP) que é inteiramente da nossa responsabilidade.

Como é que se pode tentar educar para a preservação da diversidade?

Primeiro é preciso conhecer. Só conhecendo é que se pode educar e ensinar. Nós estamos ainda numa fase, embora não seja inicial, de começar a conhecer todos estes pormenores evolutivos do que se passou cá. Depois de termos estes dados temos que tentar educar, mostrando exemplos aos nossos alunos ou produzindo informações a nível da divulgação científica. O CIBIO privilegia, acima de tudo, a criação e a obtenção desse tal conhecimento científico sobre os diversos aspectos de biodiversidade, para depois poder ensinar e alertar a opinião pública para estes aspectos.

Portugal, enquanto unidade integrante da Península Ibérica, assume um papel importante ao nível da biodiversidade?

A unidade geográfica Península Ibérica está enquadrada num ecossistema mediterrânico considerado um dos grandes hot spots de biodiversidade. É um dos sítios onde há maior biodiversidade, que se exprime não só no elevado número de espécies que existe em Portugal e Espanha, como também na diversidade genética. Enquanto houve períodos da nossa era em que zonas da Europa Continental estavam cobertas de gelo e em que não existiam espécies nenhumas, Portugal, Espanha e Itália foram os únicos sítios de refúgios dessas espécies. Quando houve o degelo, estas espécies recolonizaram estas áreas. Daí que nós tenhamos um repositório de biodiversidade que não existe em mais nenhum outro lado.

Por falar em biodiversidade e em Península Ibérica, coordenou um projecto sobre o gato selvagem ibérico, que integrou um documentário da “National Geographic”. Em que consistiu esse trabalho?

Este projecto nasce devido à falta de conhecimento de populações de gato selvagem a nível europeu e da própria Península Ibérica, realçada pelo facto de o lince ibérico estar em vias extinção. Toda a gente conhece o gato doméstico, mas pouco se sabe do gato que lhe deu origem, o gato selvagem. Os resultados, até agora, demonstram que de facto há populações selvagens portuguesas fruto de cruzamentos de gatos domésticos com selvagens, fragmentadas devido a essa hibridação. Além do lince, esta é a única espécie de felino que nós temos na Península Ibérica.

Perfil

Paulo Célio Alves iniciou a carreira de investigador na área na reprodução de coelhos selvagens, mas foi durante o Doutoramento que se especializou em espécies ibéricas. Foi um estudo sobre o gato selvagem ibérico que mais projectou a investigação de Paulo Célio Alves, ao ser integrado num documentário da National Geographic, “Science of Cats“, em Maio de 2008.

Qual foi a sensação ao ver anos de trabalho distinguido com a publicação na “National Geographic”?

É a coisa mais gratificante, a nível pessoal e enquanto professor universitário. Quando somos convidados a participar ou quando nosso trabalho é reconhecido a ponto de entrar de uma forma significativa nesses programas é gratificante. Fiquei emocionado quando vi os meus dois alunos de doutoramento. Fiz questão que fossem eles, eu nem estive lá, porque o trabalho e a imagem são deles. Mas na situação de professor é extremamente gratificante, o que nos motiva ainda mais para continuarmos a fazer estes trabalhos.

E isso passa para fora? Ou seja, existe a consciência da importância da divulgação do conhecimento que é gerado dentro dos laboratórios do Centro?

Sem dúvida. Essa é uma das principais preocupações. Tem que haver um seguimento: nós não podemos divulgar dados sem termos a certeza sobre eles. Isso às vezes leva a que os centros de investigação sejam muito fechados, não divulguem… E isso às vezes leva anos porque há processos difíceis de resolver. Por outro lado, também precisamos de pessoas especializadas que nos ajudem a divulgar. Nós somos investigadores e professores e, por mais que a gente tente, a linguagem jornalística é diferente. Nós estamos abertos e disponíveis para fazermos essa divulgação porque só assim é que se consegue alertar para estas questões da conservação.

A aposta na formação de novos talentos na investigação é uma prioridade do CIBIO?

É uma preocupação. Se nós conseguirmos fazer o melhor possível, naturalmente vamos conseguir atrair atenção. E atraindo atenção, novas pessoas vão querer vir para cá. Por outro lado, são uma prioridade para nós alunos com elevada motivação e que demonstram talento. É difícil fazer ciência em Portugal, principalmente devido a recursos financeiros, mas eles existem e nós temos procurado activamente, pensando sempre em dar condições a esses alunos com elevados níveis de motivação.

Quais os maiores desafios que a Universidade pode enfrentar a partir de agora?

Eu acho que a Universidade do Porto vai no bom caminho, está a conseguir projecção internacional em várias áreas. E o maior desafio vai ser manter esta posição e melhorar, porque a competição vai ser cada vez maior a nível nacional e internacional. Esta continuação passa por dois pontos: a continuação da procura em fazer boa ciência e boa investigação e a divulgação também a nível nacional, principalmente para atrair alunos que estejam motivados. Eu estou perfeitamente optimista que a UP vai conseguir atingir esse ponto.

E o futuro do Paulo Célio Alves, por onde passa?

Agora estou ligado a uma nova área da biologia, a genética da conservação, que se preocupa com a conservação das espécies e das populações e em que se utilizam ferramentas moleculares. São ferramentas que podem passar pela genética forense e que envolvem análises de ADN para estudar espécies que são difíceis de observar ou de estudar de outra forma a não ser por vestígios. É um pouco fazer estudos de populações de espécies animais usando aquelas ferramentas que se usam em investigação criminal: procurar vestígios animais, pelos ou penas, de onde consigamos extrair ADN.