Para que “Não Apaguem a Memória!” do fascismo em Portugal, o movimento cívico com o mesmo nome promoveu, este sábado, uma visita às antigas instalações da PIDE/DGS no Porto, guiada por ex-presos políticos que ali estiveram detidos.

Histórias de torturas e humilhações, fugas “excepcionais” durante a noite e interrogatórios de vários dias foram partilhadas, na primeira pessoa, por quem, pelas piores razões, conhece os “cantos à casa“.

Na visita às antigas instalações da polícia política do Estado Novo, onde hoje funciona o Museu Militar.,”Pisco”, como era conhecido Jorge Carvalho no meio contestatário, não esquece “o sofrimento de subir as escadas” que conduziam às salas de interrogatórios. “Nós não sabíamos se íamos ser interrogados durante algumas horas ou se nos iam manter dias, em ‘estátua’ ou em tortura do sono”, conta. Estar de “estátua”, explica, era ficar de pé, contra a parede, sem se poder mexer e a ter, até, de comer de pé.

Também Francisco Cachapuz, Professor Catedrático na Universidade de Aveiro, desce hoje os vários lanços de escadas de madeira a pensar nas vezes que os subiu “sem saber para o que ia”, e na dificuldade, depois, em “descer sem cair ou fraquejar”, já que isso conduziria a nova sessão de “pancada”.

Igualmente temidas eram as visitas à sala do médico da delegação, “o Ulisses”, que ainda hoje se pode visitar no Museu, apesar de já não manter o aspecto original. Jorge Carvalho lembra o desdém e a negligência com que eram tratados após serem espancados pelos “pides”.

História do edifício

O edifício que, dos anos 30 a 1974, alojou a delegação da PVDE/PIDE/DGS é hoje o Museu Militar do Porto. Na rua do Heroísmo, a construção, de aspecto senhorial, já albergou uma família, um grupo de freiras e, durante o Estado Novo, “encarcerou” largas centenas de presos políticos contestatários. Parte dos armazéns adjacentes onde existiram celas foram destruídos e o Ministério da Defesa transformou o espaço em núcleo museológico. Hoje fala-se na mudança de instalações para a Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, hipótese que “não agrada” ao movimento “Não Apaguem a Memória!“, já que pode conduzir à venda do imóvel do actual Museu.

“Se fores preso Camarada”

Na pasta onde guarda documentos do tempo em que esteve preso, Jorge “Pisco” mostra um guia, intitulado “Se fores preso Camarada”, que procurava ensinar aos detidos como agir durante os interrogatórios e quais as “armadilhas” nas perguntas dos agentes. Não responder às questões e dizer apenas “Só falo na presença do meu advogado” eram alguns dos “truques” fundamentais para não implicar os “camaradas”.

Francisco Cachapuz não esquece a primeira pergunta que lhe fizeram quando foi preso, “Há quanto tempo pertences ao P?”. A resposta “correcta”, conta, não era “Não pertenço”, mas sim “O que é o P?”. Para quem estava, muitas das vezes, três dias de ‘estátua’ ou sob tortura do sono, pensar nas “perguntas manhosas” dos inspectores da PIDE não era fácil, confessa.

Maria José Ribeiro “nasceu no meio da luta contra o fascismo”. Presa pela primeira vez aos “vinte e poucos anos”, nem o facto de ser “a única rapariga do grupo” a que pertencia a salvou de ser “espancada por brutamontes”. Filha de um dos muitos homens que foram desterrados do Tarrafal – “só conheci o meu pai aos dezassete anos, depois de ele ter cumprido dezasseis de pena naquele campo horroroso” -, confessa que a “violência psicológica e as humilhações” chegavam a “doer mais que a pancada”.

“Não Apaguem a Memória!”

Maria José Ribeiro, Jorge Carvalho e Francisco Cachapuz têm a mesma opinião no que diz respeito à preservação do edifício. Os três ex-presos políticos consideram que deveria ser criado um “Centro de Memória” ou um “Museu da Resistência”, para que a brutalidade de que eles, e muitos outros, foram vítimas não seja esquecida.

Albertina Mendes, membro do núcleo portuense do movimento cívico “Não Apaguem a Memória!”, tem uma visão crítica relativamente à actuação das entidades públicas face aos edifícios que marcaram o Estado Novo. “Portugal quer esquecer o fascismo, ao contrário de outros países que se esforçam por manter memória das repressões”, lamenta.

Ao JPN, Albertina Mendes explica como se “apagam as memórias”: “o edifício da PIDE em Lisboa vai ser transformado em empreendimento de luxo e o Tribunal da Boa Hora vai ser um hotel”. “Temos que preservar o nosso património”, relembra.