Já trabalhou com atletas como Naide Gomes ou Nélson Évora, actual campeão olímpico do triplo salto, mas é na formação de treinadores que mais se destaca Paulo Colaço. Em entrevista ao JPN, o professor de Atletismo da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP) aposta numa “investigação direccionada” ao apoio que se pode prestar aos treinadores. O investigador considera que a faculdade pode “ajudar” a criar campeões, “se considerarmos o treinador como um grande campeão”.

JPN: Como é que está a investigação na área do Desporto em Portugal?

PC: Têm-se feito coisas muito importantes. Neste momento, na nossa faculdade, estamos francamente bem a vários níveis, principalmente na investigação muito aplicada à parte desportiva. Isto porque temos conseguido trabalhar, de uma forma directa, com o tecido desportivo, no sentido de dar algumas respostas a problemas. Eu diria que Portugal será, seguramente, na área do desporto, um país com um trabalho bastante interessante. E, particularmente na nossa faculdade, tudo aquilo que temos vindo a produzir nos últimos anos tem-nos deixado bem colocados.

Em que tipo de projectos está actualmente envolvido?

Neste momento, a minha intervenção a nível de investigação está centrada na área de avaliação e controlo do treino com atletas de elite. Temos projectos de avaliação e controlo de treino nas áreas [da corrida] meio-fundo e dos saltos, em que avaliámos a Naide Gomes durante toda a época desportiva anterior. Tenho vindo a trabalhar com projectos que procuramos articular directamente com alguns clubes desportivos na área da formação desportiva e, também, na ligação do atletismo e da prática da corrida e da marcha a pessoas com idade mais avançada.

Foi gratificante ver a subida das marcas da Naide Gomes enquanto treinou na FADEUP?

Sim. Nós conseguimos avaliar a atleta e identificar um ou outro aspecto, muito simples, que podia, eventualmente, ser melhorado. O que fizemos foi dar ao treinador uma informação facilmente percepcionada e transmitida ao atleta na situação de treino, para que o resultado pudesse evoluir. Quando os atletas chegam a níveis de rendimento muito altos, já não temos muita margem de manobra porque já há muitos hábitos adquiridos. No caso da Naide, demos conselhos que o treinador seguiu à risca. Ao ponto de a atleta, assim que terminou o Campeonato do Mundo como campeã, ter transmitido um agradecimento à faculdade pelo apoio. E claro que isso para nós é estar, também, a viver um pouco o título dela.

Perfil

Aluno da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, o actual investigador esteve envolvido na criação da Federação Académica do Desporto Universitário, em 1990. Desde então, Paulo Colaço é um nome a reter no Atletismo português. Professor na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), conta com dezenas de artigos publicados e defende uma “prática desportiva ligada à saúde” e aberta a todos os indivíduos.

Portugal reúne condições para a prática do desporto de alto rendimento?

A prática desportiva de rendimento não obriga a ter, como condição de base, a criação de grandes centros de alto rendimento. Acima de tudo temos que ter uma coisa muito importante: formação técnica qualificada, que passa muito pelo trabalho que estamos a fazer nesta faculdade. Neste momento, temos várias dezenas de atletas de elite, na área de atletismo, que são avaliados regularmente, em todas as épocas desportivas, pela nossa faculdade. Claro que ter um centro de alto rendimento pode ajudar a potenciar esse esforço de informação dos treinadores. Não sendo uma condição absolutamente necessária, é obviamente um acréscimo de qualidade ao trabalho que se vai fazendo.

E é nessa formação técnica especializada que se investe na faculdade?

Sim. Aliás, nós não temos aqui nenhum centro de alto rendimento. Mas temos condições de excelência para a prática desportiva, que podemos proporcionar a atletas e treinadores, de modo a que cada vez mais possam evoluir na forma como os atletas treinam. A perspectiva é dar ao treinador um conjunto de ferramentas de trabalho que ele normalmente não pode ter sozinho. Se nós, num salto, utilizarmos câmaras que registam cem imagens por segundo, estamos a proporcionar um conjunto de informações ao treinador que ele, por si só, não consegue obter. Mas mais do que isso, é conseguir ler essas imagens e conseguir transmitir ao treinador um conjunto de reflexões que são suportadas num trabalho de investigação.

Pode dizer-se que a FADEUP é uma “fábrica de talentos” a nível nacional?

Se nós considerarmos o treinador como um grande campeão – porque o campeão não é só o atleta -, então podemos considerar que a faculdade é uma boa fábrica de campeões, porque ajudamos a formar bons treinadores em Portugal. Não nos queremos substituir, de forma alguma, ao treinador. Não fabricamos campeões na perspectiva do atleta, porque não trabalhamos directamente com ele, damos essa margem de trabalho ao treinador. E, nessa perspectiva, a faculdade está cada vez mais aberta a que o treinador sinta que aqui encontra todo o ambiente de trabalho e de apoio que dificilmente teria noutra situação e que dificilmente os centros de alto rendimento poderão substituir.

Existe uma preocupação, por parte da Faculdade de Desporto, na divulgação dos resultados a que se chega na investigação?

Nós temos um site do próprio Gabinete de Atletismo, onde trabalho, onde disponibilizamos todas as informações relativas aos trabalhos que vamos desenvolvendo com os atletas. Temos publicado, nem sempre com a regularidade que gostaríamos, mas aquela que nos é possível, um boletim informativo. E depois vão saindo, aqui e acolá, algumas informações. Quando a Naide Gomes teve os resultados que teve, a expressão na comunicação social foi fabulosa. Posso também falar do Projecto Nacional de Marcha e Corrida que, neste momento, está a ser apresentado a nível nacional e no qual a FADEUP está fortemente envolvida. A ideia é chegar a cada um dos potenciais praticantes de marcha e corrida, ou seja, a praticamente toda a população, porque em cada português poderá estar um praticante de marcha e de corrida.

Esse “Projecto Nacional de Marcha e Corrida” tem tido uma boa recepção?

Sem dúvida. Vamos avançar com um curso de formação de técnicos e criar, num site feito para este projecto, um conjunto de informações que permita às pessoas chegar ao mapa de Portugal e identificar, em cada uma das autarquias, um determinado espaço de excelência. A ideia é fazer com que haja um cada vez maior número de pessoas, não só a praticarem a marcha e a corrida, mas, fundamentalmente, a praticarem a marcha e a corrida de uma forma muito saudável.

A partir de agora, qual o caminho que a UP deve seguir a nível da investigação?

Nós, em termos de Gabinete de Atletismo, temos uma preocupação cada vez mais centrada numa investigação muito aplicada. Isto porque sentimos que o Desporto em Portugal necessita deste tipo de intervenção, de trabalho de investigação em que se possam estar a dar feedbacks constantes a quem está no terreno, para que as pessoas consigam melhorar as suas práticas. E nós não nos podemos demitir desta responsabilidade, não podemos estar a a produzir ciência apenas para ser publicada em teses ou em artigos de referência.