Não faltaram opiniões divergentes na tertúlia que se seguiu à exibição do filme “Ganhar A Vida” (2000), de João Canijo. A película, que estabelece um retrato da comunidade emigrante portuguesa em França, foi apresentada esta quarta-feira à noite, no Cinema Batalha, naquela que foi a primeira sessão do Porto – Cidade do Cinema, uma iniciativa inserida na “Festa na Baixa”.

A discussão, moderada pela representante do Centro Nacional de Cultura (CNC), Cláudia Dias, contou com a participação do próprio realizador e do professor de cinema José Alexandre Cardoso Marques, mas estendeu-se até ao público. Reflexões sobre as comunidades emigrantes portuguesas e a “portugalidade” em geral dominaram o serão.

“Nós os portugueses não nos gostamos de ver”, disse Canijo, justificando o facto de nenhuma associação de emigrantes portugueses em França nunca o ter convidado para exibir “Ganhar A Vida”.

Cardoso Marques notou que, nos diálogos que teve com representantes de associações, estes afirmavam que o filme passava “uma imagem muito negativa” da comunidade. Algo que, especulou, podia encontrar explicação numa espécie de ressentimento por se tratar de um “cineasta de Lisboa” a retratar o dia-a-dia de emigrantes na França.

Foi o que bastou para que uma espectadora iniciasse, antes do previsto, a abertura do debate ao público. Declarando que viveu parte da sua vida em França, revelou que tinha visto “Ganhar A Vida” quando foi exibido, pela primeira vez, como telefilme. Uma obra “verosímil”, enfatizou.

João Canijo, por sua vez, afirmou que os emigrantes com quem falou se sentiram “retratados mas não depreciados” e que tentou atingir o “máximo de imersão possível” na comunidade. Cardoso Marques elogiou, ainda, “a cinematografia própria” de Caniijo.

A tertúlia foi precedida pela projecção de “Ganhar A Vida”, um filme que o CNC só tem disponível “em formato bruto”, confessou Cláudia Dias. Por isso, a meio do filme a sessão teve de ser interrompida “para mudar as bobinas”. “Até nisto estamos num evento cinéfilo”, gracejou a organizadora, que já antes tinha frisado que a iniciativa tinha como objectivo principal “recuperar a cinefilia no Porto”.

Em declarações ao JPN, Cláudia Dias que o objectivo é que o Porto – Cidade do Cinema não se fique por aqui, mas sim mantenha “uma actividade regular”. Apesar de o CNC ainda não ter nada planeado, a responsável detém uma convicção: “De concreto e definido há a certeza que vamos fazer mais.”

Novos projectos e Cannes

À conversa com o JPN, João Canijo revelou que os seus próximos projectos incluem “um filme já financiado” de cunho “mais ou menos social” sobre “a vida duma família de classe baixa num subúrbio da Amadora”.

Para além disso, está a trabalhar também “num documentário” sobre “a passagem dos refugiados em Lisboa durante a Segunda Guerra Mundial”. No entanto, o realizador desconhece “qual será a forma final” do projecto, uma vez que este tem como base “a montagem de arquivos de imagem” e ainda não sabe o que existe nos arquivos a esse nível.

Questionado sobre a deslocação de seis realizadores portugueses a esta edição de Cannes, o realizador (que já participou duas vezes no evento) nota que “não é inédito” e que “muitas vezes estão quatro ou cinco realizadores portugueses” no festival. “Talvez porque por se fazerem tão poucos filmes em Portugal, estes são muito pessoais”, disse, em alusão ao espírito “de autor” do evento.