As opiniões dividem-se quando o assunto é o Decreto-Lei N.º3/2008. Se para alguns docentes significa um importante avanço para a inclusão, pois os “verdadeiros alunos de educação especial” estão identificados, já que,por exemplo, alunos disléxicos deixaram de integrar o ensino especial, para outros apresenta-se como um obstáculo a ultrapassar.

Cláudia Martins [nome fictício], professora de Geografia,deu aulas no 1º período do presente ano lectivo numa escola básica do Norte do país. Aí travou uma nova batalha: ensinar a matéria a uma criança com um síndroma desconhecido que lhe afectava a visão e a audição.

“Encontrei um grande desafio numa menina que progressivamente vai perdendo quer a audição, quer a visão. Não me informaram do caso. Conheci a criança pessoalmente e foram os próprios alunos que, ao jeito deles, me disseram: ‘‘stôra’ a ana [nome fictício] não ouve e não vê quase nada. A ‘stôra’ tem que falar mais alto para ela”, revela ao JPN a docente.

“É muito difícil nós individualizarmos, prestarmos o apoio a uma criança com tantas dificuldades, quando todas as outras, apesar de verem e ouvir, também têm as suas dificuldades e limitações”, reconhece a professora que sentiu dificuldades em prestar atendimento a uma criança com necessidades educativas de carácter ligeiro.

As diferentes necessidades educativas

Foi para prevenir este tipo de situações que, no novo regime legal, foram separadas as crianças com necessidades educativas de carácter ligeiro das de carácter permanente.

Enquanto que aquelas, que sofrem de dislexia, disgrafias, discalculias, dispraxias e dificuldades de aprendizagem não-verbais, deixaram de frequentar o ensino especial integrando o regular, já as com necessidades específicas, isto é, surdas, cegas ou autistas, podem ingressar numa escola de referência ou manter-se no ensino regular com acompanhamento.

Para Vítor Gomes, do Sindicato de Professores do Norte e coordenador do departamento de Educação Especial da Federação Nacional dos Professores (FENPROF) estes alunos não foram, de facto, abandonados na “índole legislativa”.

Mas, mais uma vez, na prática, o responsável coloca algumas reticências. “O que é que vai acontecer a estes alunos [crianças com necessidades educativas de carácter ligeiro] e aos professores daqui a uns quatro, cinco anos?”, questiona Vítor Gomes, para quem estas crianças deveriam continuar a integrar o ensino especial.

Escola é a “primeira responsável” por apoios

Já Eugénia Carvalho, professora de ensino especial, vê vantagens nestes novos critérios de selecção. “Antes da publicação deste novo decreto de lei, a escola era vista como uma alternativa a toda e qualquer diversidade de alunos que existia. Ou seja, todo o qualquer aluno que fugisse à norma, entrava na educação especial”, diz.

“Os professores de apoio tinham cerca de 15 alunos para atender. No seu horário, portanto, tinham que, se calhar, agrupá-los para lhes dar mais apoio e, às vezes, retirá-los do contexto da turma, o que não era de todo aconselhável”, revela, ao JPN, a docente.

O presidente da CONFAP, apesar de apoiar a Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) – a metodologia escolhida para seleccionar as crianças para o ensino especial -, e o Decreto-Lei n.º3/2008, alerta para certos equívocos na interpretação da legislação.

“O facto de os alunos não serem elegíveis para a CIF, não quer dizer que as escolas não lhes tenham que encontrar outros apoios, encaminhamentos e procurar responder às necessidades educativas de cada aluno”, explica Albino Almeida.

“Quando os alunos não são elegíveis para a CIF,têm direito a outro tipo de apoios, em que a escola é a primeira responsável”, salienta, atentando para o facto de as escolas deverem aproveitar os princípios defendidos pelo anterior decreto, que estipulava apoios para todas as crianças com necessidades educativas especiais, sejam elas ligeiras ou permanentes.