Director do Knight Center para o Jornalismo nas Américas, investigador e professor de jornalismo online na Universidade de Austin, no Texas, Rosental Alves é uma figura incontornável do ciberjornalismo. Jornalista desde os 16 anos, o professor esteve envolvido na criação do primeiro jornal online brasileiro, em 1995. Após uma passagem por Portugal no mês de Junho, em que deu uma palestra no curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto, Rosental Alves reflecte sobre o ciberjornalismo português, destacando o “esforço de multimédia” desenvolvido pelos jornais do país. Em entrevista ao JPN, o professor analisa, também, a dimensão “das mudanças em curso hoje no mundo”, que transformam a sociedade e a prática jornalística.

Como avalia o jornalismo online português?

Eu não avalio, porque eu acompanho muito pouco o jornalismo online português. Acho que não tenho condições de uma avaliação séria e dedicada. Mas, do que eu vejo, eu acho que é um jornalismo dinâmico, é um jornalismo com bastante conteúdo original, que tem feito um esforço de multimédia muito grande e o pouco que eu vi impressiona positivamente.

De que forma é que podemos prevenir o “mediacídio” de que fala?

Eu acho que começa por entender as dimensões das mudanças em curso hoje no mundo. Eu acho que a primeira coisa é entender a gravidade, a profundidade, a seriedade das mudanças paradigmáticas que as comunicações estão sofrendo em consequência da Revolução Digital.
Depois, tomar uma atitude ousada e criativa para tentar adaptar a media a esse ecossistema novo que se está formando e que se está formando independentemente do desejo da media de que se torne ou não. As pessoas estão mudando a maneira de comunicar graças aos avanços tecnológicos que só vão se acelerar nos próximos anos. E a media que não entender isso e não se adaptar a isso está fadada a morrer.

O jornal híbrido de que se falava na palestra, que surge do pensamento da “Web first”, não vai, de certa forma, destruir a especialização? Se uma cadeia de televisão pensar na Web em primeiro lugar, não se torna um jornal online?

É, mas essa é uma visão vertical quando tudo o que estamos a falar aqui é a desverticalização e a horizontalização… por isso é que nós falamos do ecossistema. O facto de colocar na Web primeiro não significa que a mensagem perca valor quando vai para a televisão. É uma outra dinâmica. Uma não diminui a outra. Uma coisa convive com a outra e isso tudo vai, inclusive, reforçando uma a outra. O que não pode é negar a outra.

Falávamos do Voice of San Diego, um ciberjornal sem fins de lucro que funciona à base de donativos. É um exemplo que funcionou. É um exemplo que se pode alastrar ou é um fenómeno local? O jornalismo sem fins lucrativos é uma fórmula mágica?

Não é uma fórmula mágica, mas é uma fórmula que eu acho mais facilmente aplicável nos Estados Unidos, porque já existe uma tradição de um broadcast público que é sustentado por doações pequenas das pessoas que ouvem. Portanto, já há uma tradição de fazer isso. Eu assino os cheques da National Public Radio com muito prazer todo o ano, porque eu ouço e me sirvo disso e me sinto na obrigação de fazer isso. Lá [nos Estados Unidos da América] há uma tradição que ajuda isso, mas eu acho que é uma tradição que se pode formar noutros lugares. O mais importante é que a tentativa de criar um segundo jornal em Dan Diego para contratar aqueles mesmos jornalistas e ter um esquema de distribuição em papel implicaria um capital fixo enorme e eles fizeram há quatro ou cinco anos o jornal com capital fixo mínimo e conseguiram sensibilizar a população. Da mesma maneira que o Voice of Dan Diego existe, de Dezembro para cá, vários outros surgiram em vários outros lugares, inclusive nos lugares onde os jornais estão fechando e desaparecendo.

Com tanta coisa a proliferar, o jornalista, para além de ser gatekeeper das notícias, também se poderá tornar uma espécie de gatekeeper das redes sociais e de tudo aquilo que há na Internet?

Já é. Quer dizer, está tentando ser. Quando o jornalista percebe a importância dos blogues, o jornalismo reage dizendo “nós não podemos estar fora dessa conversa monumental, enorme, fenomenal, inédita no mundo”. Da mesma forma, o jornalismo descobriu as redes sociais e não pode estar fora disso e tenta criar a sua própria rede lá dentro. Nos últimos meses, até houve uma competição entre jornalistas americanos e nomes famosos para ver qual o primeiro teria mais de um milhão de seguidores no Twitter.

Competição, essa, ganha pelo Ashton Kutcher à CNN. Considera, então, que um cidadão tem, agora, mais poder informativo do que a CNN?

Não é que um cidadão tenha mais poder. Nós não estamos a falar de um cidadão, estamos falando de um cidadão como parte de um organismo vivo. As redes às quais o cidadão pertence são mais importantes que a CNN. E o crescimento exponencial das redes desata uma força desconhecida da sabedoria colectiva, mas também da burrice colectiva. Mas são forças novas, diferentes. Não é uma competição porque ainda há lugar para o broadcast.

O jornal do futuro vai ter 140 caracteres?

Claro que vai ter mais caracteres. Não é uma coisa ou outra, é uma coisa e outra. O jornal do futuro vai conviver com os 140 caracteres e com outros tipos de mensagens que nós não podemos nem imaginar. Há dois anos, quando nasceu o Twitter, nós não podíamos imaginar que os 140 caracteres iriam adquirir tanta força e amanhã vão aparecer outras coisas que vão fazer parte dessa ecologia, desse ecossistema.