Pelas ruas da cidade do Porto perduram as fachadas imponentes e as janelas partidas que denunciam o valor, agora esquecido, dos seus moradores. Foram homens e mulheres cujos feitos o tempo não permitiu esquecer, mas que vêem as suas casas ou ateliês deixados ao abandono. Escritores, pintores, vultos da cidade que hoje perdem as suas casas para o tempo.

Por detrás dos “muros de silêncio” impostos pela autarquia e pelas imobiliárias, surgem as vozes anónimas que acompanham o JPN num roteiro de estórias seculares do património edificado. Almeida Garrett, Carolina Michaëlis e António Nobre são alguns dos vultos culturais portugueses que têm hoje o seu legado abandonado e que marcam presença neste trabalho de fundo.

No Porto “tudo é suposto ser alguma coisa”

Aviso prévio. Encontrar motivos ou apontar culpados é tão complexo como encontrar sinalização para muito do património que permanece no esquecimento. No Porto, “tudo é suposto ser alguma coisa há anos”, adianta Lúcia Rosas, directora de Mestrado de História da Arte Portuguesa da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). A verdade é que “nenhuma câmara ou Estado tem dinheiro para proteger todo o seu passado”, acusa.

A nível político, as culpas tendem a apontar num único sentido – a Câmara Municipal do Porto (CMP) – ainda que também isso se perca entre os diferentes mandatos e cores políticas que têm assumido os destinos da autarquia. Os candidatos à presidência da CMP não poupam críticas e acusa o executivo de Rui Rio de ter uma “desconsideração pela memória”, patente na “ausência de placas identificativas” nos lugares assinalados.

“As casas de que falamos estão classificadas como património municipal e por isso são da responsabilidade da Câmara do Porto”, sublinha, por sua vez, Helena Coutinho, directora da Direcção Regional da Cultura do Norte (DRCN), garantindo que aquele organismo tem uma interferência “mínima” nos processos em causa.

“O que falta são acções”

Sobram as palavras, mas tarda em definir-se um plano de intervenção que volte a dar vida àqueles que fazem a história da cidade. “O que falta são acções”, alerta Lúcia Rosas. “Não há coragem para as tomar porque são sempre decisões políticas”, justifica a especialista.

Para grandes males, grandes remédios. Na opinião da Directora de Mestrado de História da Arte, a UNESCO devia “retirar ao Porto o galardão da Património Mundial da Humanidade” pois a cidade “encostou-se muito” ao título.

O historiador Hélder Pacheco não vai tão longe. “Não me parece que seja retirada ao Porto a candidatura porque há zonas da parte histórica que estão bem e há obras no centro histórico. O que é preciso é investimento estatal e privado na reabilitação”, vinca ao JPN.

O especialista portuense aponta antes o dedo ao Governo que “se vira para os TGV e outras megalomanias”. É necessário o “investimento do Estado pois a CMP não pode reabilitar tudo”, assegura Hélder Pacheco.

Membro da Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU), Hélder Pacheco pensa que é possível reabilitar a cidade e garante que “se os projectos da SRU foram concretizados”. “Dentro de 30 a 40 anos, teremos uma bela cidade reabilitada”, conclui.

Os casos de sucesso

A verdade é que, apesar de poucas, também existem histórias de sucesso. A casa de Sophia de Mello Breyner no Campo Alegre, actual Jardim Botânico, e a transformação da casa de Guilhermina Suggia, na Rua da Alegria, num centro de medicina tradicional, são exemplos que contrariam a regra e que o JPN também dá a conhecer.

A moradia onde a violoncelista treinou as notas das suas mais célebres partituras, ganhou uma nova sonoridade. A casa verde onde Suggia viveu e morreu é agora cor-de-rosa e alberga um centro de medicina tradicional que apoia pessoas com necessidades educativas especiais.

A quinta do Campo Alegre onde a “poetisa do mar” passou a sua infância é hoje o Jardim Botânico do Porto. Excepções a uma regra que o tempo tende a vincar.