Alexandra Oliveira escolheu a prostituição de rua como tema da sua tese de doutoramento porque considera que é um fenómeno do comportamento humano pouco estudado pelas Ciências Sociais, em particular em Portugal.
Com este estudo, a investigadora quis apagar estereótipos e mostrar que os companheiros das prostitutas não são sempre “chulos” ou proxenetas.
Na sua tese de doutoramento concluiu que a prostituição não é incompatível com uma relação amorosa. Qual costuma ser a reacção dos companheiros destas mulheres?
Isso contraria um dos estereótipos que existem relativamente às pessoas que se prostituem e aos seus companheiros, que é a ideia de que eles são uns “chulos”, exploradores, que só estão com a mulher por interesses económicos e não por interesses amorosos ou afectivos. Em primeiro lugar, acho que a figura a que se chama “chulo” – o homem que vive às custas da mulher que se prostitui, que fica com tudo, que a maltrata – é uma figura actualmente pouco presente na prostituição de rua e também penso que noutros contextos. Aquilo que eu vi foram relações amorosas em que o facto de a mulher ser prostituta não faz, automaticamente, do seu companheiro o seu explorador.
Estes homens trabalham, partilham com elas as despesas mensais, outros não trabalham, mas mesmo assim isso não faz deles exploradores. Acho que aquilo que caracteriza as relações das mulheres com os seus companheiros, maridos e namorados é aquilo que caracteriza uma relação amorosa, de cumplicidade, de partilha, de solidariedade. O facto de serem prostitutas não impede que possam ser amadas e que possam amar os seus companheiros e que tenham relações de afecto genuínas.
É possível que eles aceitem, sinceramente, esta actividade?
A maioria das prostitutas encara o seu trabalho como uma profissão. Há uma minoria que se sente mal com o que faz. Mas a grande maioria delas encara-o como uma profissão e os companheiros vêem-no exactamente da mesma forma. Acham que aquilo que faz a companheira/namorada/esposa é um trabalho como os outros e que tem tanta dignidade como os outros, desde que seja feito de forma correcta. Nomeadamente com cuidados a nível da saúde, com toda a protecção que implica um trabalho destes. Há de facto alguns casos em que há interesse económico. Não são é todos os casos, nem são sequer a maioria deles. Acho que são mesmo casos excepcionais e minoritários.
Quando os companheiros são também os “chulos”, fazem-no por amor à parceira ou por mero interesse económico?
Se são “chulos” fazem-no só por interesse económico. Para mim, um “chulo”, um proxeneta, é um indivíduo que explora os ganhos da prostituição ou explora alguém que se prostitui apenas por interesse económico. Uma prostituta que tem um companheiro com quem tem uma relação de afecto, uma relação de amor mútua, mesmo que ele ganhe com o negócio da prostituição, mesmo que ela lhe ofereça prendas caras, mesmo que seja ela a pagar a maior parte das despesas mensais, para mim, isso não é um “chulo”.
Há muitas situações de abuso e de violência entre as prostitutas e os seus companheiros?
Eu encontrei bastantes situações de violência conjugal, mas também quero ressalvar que a violência conjugal assume proporções muito grandes entre a população no geral, não só entre as prostitutas. Diz um estudo que uma em quatro mulheres europeias é, já foi ou poderá vir a ser vítima de violência conjugal. E o número que eu encontrei de vítimas de violência conjugal é mais ou menos esse. Eu vi o que os estudos diziam ao nível da prevalência da vitimação conjugal entre a população feminina europeia e depois comparei com os meus dados e conclui que estavam na média. Mas, independentemente dessa coincidência de números, encontrei casos de violência conjugal que podiam estar, ou não, associados à exploração económica das mulheres. Quando havia essa exploração económica eu enquadrei-a na violência conjugal. Não vi aquilo como a agressão de um “chulo” a uma prostituta, mas sim como a agressão conjugal de um companheiro a uma namorada, a que estão sujeitas muitas vezes as vítimas de violência conjugal.