Desde que está reformado, António Lopes recebe do Estado 150 euros anuais. Trata-se de um suplemento especial de reforma, que oscila entre os 75 e os 150 euros. Esta constitui a única ajuda monetária prestada a quem esteve em zonas de risco no Ultramar, mas não está directamente relacionada com a Perturbação de Stress Pós-Traumático (PTSD).

No entanto, acaba por ser o único apoio para muitas pessoas na situação de António, visto que a pensão criada, especificamente, para ajudar as vítimas da perturbação só é atribuída quando a doença impossibilita em 30% o trabalho da pessoa, que fica assim considerada deficiente de guerra.

Como explica o presidente da Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra (APVG), Augusto Freitas, o suplemento especial de reforma, aquele que António recebe e que é atribuído a todos os combatentes que passaram pelo Ultramar, “é uma miséria”. O dirigente critica a falta de sensibilidade de todos os governos que passaram pelo poder desde o 25 de Abril em relação à questão dos ex-combatentes. Faz, porém, a ressalva de que o actual Governo tem cumprido com tudo aquilo que tem sido acordado.

Ainda assim, Augusto Freitas afirma ser necessário um apoio estatal mais significativo. “Nós precisamos de mais dinheiro, de mais alguma coisa do Estado, para que possamos fazer o nosso trabalho em todas as delegações que temos espalhadas por Portugal”, explica, referindo-se à APVG em particular. E acrescenta: “As associações fazem aquilo que podem dentro do possível, mas o Estado é que deveria fazer todo este tipo de trabalho.”

“Não é fácil o Hospital Militar diagnosticar a PTSD”

António, como muitas outras vítimas de PTSD, não tem direito à pensão atribuída aos ex-combatentes a quem foi diagnosticado Stress de Guerra, já que a sua perturbação não o impede em 30% de trabalhar. Esta pensão tem um valor “bastante mais elevado” que, no entanto, não chega a toda a gente, salienta a advogada responsável pelo apoio jurídico na Associação de Apoio aos Ex-combatentes Vítimas de Stress de Guerra (APOIAR), Isabel Estrela.

“Não é muito fácil o Hospital Militar considerar que o doente tem essa incapacidade”, explica ao JPN, isto apesar de, sublinha, muitas vezes os médicos dos Centros de Saúde, por exemplo, a diagnosticarem.

Para além disso, Isabel Estrela diz tratar-se de um processo muito demorado que pode levar, muitas vezes, oito a dez anos. Existem ainda casos de vítimas que não recebem ajuda por desconhecimento. “A maior parte deles, e também, muitas vezes, os próprios postos médicos, ignora que é através do médico de família que o processo se inicia, quando a doença é detectada”, explicita a advogada.

“Sabe quanto é que eu fui ganhar para lá? 700 paus.”

Isabel Estrela apresenta, porém, outra possibilidade para aqueles que não atingem os 30% de incapacidade. “Podem ser incluídos na rede nacional de apoio, ou seja, receber assistência médica e medicamentosa”, explica. “Os processos deles podem seguir para a Caixa Geral de Aposentações, podendo vir a ter uma pensão, não enquanto deficientes das Forças Armadas, mas enquanto funcionários públicos que, no exercício das suas funções, sofreram uma incapacidade”, remata a advogada que presta apoio a ex-combatentes na APOIAR.

Por parte de quem esteve na guerra, as críticas ao Estado multiplicam-se. Jorge Coelho, ex-combatente vítima de PTSD, diz que esta situação é “vergonhosa” porque ainda não foram criados mecanismos de apoio àqueles que ficaram traumatizados, ao contrário do que acontece aos que ficaram com deficiências físicas. Agora que ficou desempregado, conta, é que tem sentido mais a falta de apoios por parva do Governo.

Também António acusa o Governo português de inoperância quanto à questão das vítimas de PTSD. “O Estado não está a cumprir o papel dele. Devia dar aquilo que nos compete, que nos pertence a nós”, reclama. E continua, com a frustração de quem foi obrigado a combater numa guerra que não chegou a dar frutos: “Sabe quanto é que eu fui ganhar para lá? 700 paus. Olhe quanto é que estes ganham agora, que nem sequer defendem nada nosso.”