A Guerra do Ultramar terminou há mais de trinta anos. António Lopes deixou o combate em Angola ainda antes de 1974. Nada, porém, o faz esquecer dos 26 meses que permaneceu no mato, entre 1968 e 1970, a disparar contra inimigos invisíveis no meio da vegetação. São as memórias que lhe pregam partidas.

Muito menos desapareceram as imagens dos colegas mortos, os sons das balas, os cheiros da selva. “Ainda hoje tenho sonhos em que julgo que ando no mato aos tiros”, conta o ex-combatente vítima de Perturbação de Stress Pós-Traumático (PTSD), vulgarmente conhecida como Stress de Guerra ou Stress Pós-Guerra.

O que é a PTSD?

A PTSD é uma doença crónica, desencadeada pela exposição a situações consideradas excessivamente stressantes e perturbadoras. Segundo o especialista Afonso de Albuquerque, os sintomas passam pela reexperiência dos acontecimentos traumáticos, através de pesadelos ou flashbacks, pela evitação sistemática dos estímulos associados, em que a pessoa se recusa a falar do assunto ou a ver filmes ou notícias de guerra, e por sinais de hiper-actividade neuro-vegetativa, demonstrados, por exemplo, em reacções de alarme motivadas pelo som de foguetes.

Quando regressei, era uma pessoa completamente diferente”

Com dificuldade em lembrar-se do nome completo da doença, António sabe que sofre de um qualquer trauma causado pela guerra. Sabe, também, que desde o dia em que chegou a Angola, e assistiu à morte de dois soldados, as mudanças começaram a dar-se. A partir daí, confessa, nunca mais voltou a ser a pessoa que era antes de daquele dia em que deixou o país de farda militar envergada.

O ex-combatente conta que se tornou numa pessoa mais nervosa. “Quando eu era solteiro não era assim tão nervoso. Quando regressei, era uma pessoa completamente diferente”, compara. “Muda-se muito. A cabeça começa a trabalhar demasiado e deixa de haver sossego”, explica. E, na verdade, diz com angústia, é a família que acaba por sair prejudicada.

Segundo o psiquiatra Afonso de Albuquerque, estudos feitos noutros países demonstram que 30% dos combatentes sofrem de PTSD e, em metade dos casos, os problemas persistem ao longo dos anos, mesmo já fora do contexto de guerra. Num documento [em PDF] da Associação de Apoio aos Ex-combatentes Vítimas do Stress de Guerra (APOIAR), o especialista avança com dados de 2003 que apontam para a existência de 55 mil ex-combatentes portugueses vítimas da doença.

Problemas aumentam com o avançar da idade

É quando a idade avança, quando as pessoas se reformam ou, por qualquer motivo, ficam desempregadas, que os problemas têm tendência para se tornar mais persistentes, segundo o que a psicóloga da Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra (APVG) Sónia Coutinho explicou ao JPN.

“Está também associado à revolta que sentem numa fase mais avançada da vida, em que se sentem mais impotentes perante a doença e vêem que não têm reconhecimento por parte de quem poderia agora ajudar”, nomeadamente o Estado, elucida a psicóloga, que acompanha vários casos de vítimas de PTSD.

É o caso de Jorge Coelho, cabo de transmissões em Angola de 1974 até ao final da guerra, que procurou apoio na APVG quando ficou desempregado.

“Na situação em que me encontro recordo com mais frequência os episódios da guerra”, conta. “Basta haver um dia em que se ande mais enervado, tem-se logo pesadelos. Acordo e vejo que não é nada, mas são sempre momentos complicados.”

A psicóloga Susana Martinho de Oliveira confirma a relação entre fases de maior stress e o agravamento dos sintomas da PTSD. “É uma doença de altos e baixos. Há alturas em que eles melhoram, mas outras em que, perante situações de stress, pioram”, clarifica, ao JPN, a autora de um estudo sobre a traumatização secundária nas mulheres e nos filhos das vítimas de Stress de Guerra.