Aos 77 anos, o luthier António Capela já perdeu a conta do número de instrumentos que lhe passaram pelas mãos. Cresceu a ver o seu pai, Domingos Capela, a construir violinos, violoncelos e violas de arco na oficina que hoje ocupa em Anta, freguesia de Espinho. Muitos anos se passaram e agora a marca Capela é conhecida um pouco por todo o mundo.

Biografia:

António Capela nasceu a 25 de Maio de 1932, em Espinho. Ainda jovem começou a aprender a arte de luthier com o seu pai, Domingos Capela. Em 1961, com uma Bolsa de Estudos da Fundação Gulbenkian, estagiou em Paris e Mirecourt, cidade dos maiores construtores de violinos franceses. De 1964 a 1966, frequentou a Escola Internacional de Construção de Cremona, em Itália. Já participou em vários concursos internacionais, em que arrecadou medalhas de ouro e diplomas de honra pela particular sonoridade dos seus violinos. Em paralelo, integra o corpo de júris de concursos internacionais. Em 1991, a Presidência do Concelho de Ministros concedeu-lhe a Medalha de Mérito Cultural. Na actualidade, é membro da Associação Internacional de Construtores de Violinos e Arcos, mas é também fundador e vice-presidente da Associação Europeia de Construtores de Violinos e Arcos.

Recusando o “rótulo de mestre”, António Capela confessa ao JPN que, apesar de tantos anos de profissão, ainda vê a partida de um instrumento como a “perda de um filho”. Felizmente, diz, por vezes lá revê os seus instrumentos anos mais tarde, algo que lhe dá “imenso prazer”. Se todos os construtores “colocam um papelzinho dentro do instrumento com o nome do autor”, Capela diz não precisar disso.

“Basta olhar para um violino para o identificar como um Capela”, gaba-se. Seja uma obra sua, ou uma do seu pai dos anos 50. E é quando fala do seu pai, Domingos Capela, que deixa a emoção vir ao de cima.

“Tinha qualidades extraordinárias”, recorda, evidenciado a relação “fabulosa” entre os dois. Ainda hoje, “mexer constantemente nas ferramentas” que o seu pai usava, tem um certo sabor a tristeza e desconforto.

Sente-se “abençoado por ter vocação” para a sua profissão, o que lhe permitiu “prosseguir o trabalho do seu pai”. “Tive sorte por pertencer à segunda geração de uma família de construtores de instrumentos de arco.”

Da sua infância, conta que o “dia-a-dia tinha como limites o muro” da sua casa. Ainda para mais numa “cidade tão pequena como Espinho”. “Os meus dias resumiam-se a três pontos: de manhã estudava, à tarde ajudava o meu pai e, ocasionalmente, ia à missa.” Com um sorriso no rosto, que lhe ameniza as feições, recorda que, muitas vezes, se colocava “em cima do telhado, para poder ver o campo de futebol de uma equipa, que já não existe, que se chamava Império de Anta” e que o seu pai ficava “danado” com a situação.

“Estudar no estrangeiro possibilitou a expansão dos meus horizontes”

A seu ver, a experiência que obteve no estrangeiro consistiu num “estímulo e ânimo fantásticos” para o exercício da sua profissão. Foi para França, em Janeiro de 1961, para “trabalhar na melhor casa de construção de instrumentos de arco” de Paris. Relata que, quando lá chegou, “foi como se tivesse caído de um ponto mais alto que a Torre dos Clérigos”, pois havia um “movimento musical espantoso”.

António conta que gosta muito de receber visitas escolares no seu ateliê, mas que, “infelizmente”, não recebe tantas quanto desejaria, pois, em Portugal, “as coisas resumem-se a duas coisas: à bola e à política”. Com o semblante carregado, cita uma frase, que ouviu em pequeno: “a educação de um povo custa muito.”

A vida é um presente

António Capela considera-se um “pai muito feliz por ter um filho, que, por vontade própria, quis dar continuidade ao legado da família”. Ao mesmo tempo, demonstra “desgosto” pelo facto de o neto não querer vir a tomar um dia as rédeas do ateliê da família.

Gostava de “ser capaz de trabalhar até aos 90 anos” e ainda hoje guarda um sonho por concretizar. Gostava de, um dia, conseguir “captar todas as ondas sonoras, que estão dispersas por esse mundo fora, e assim ouvir todos os sons produzidos pelos músicos”.