Todos os domingos e feriados, faça chuva ou faça sol, a Praça de Cascorro, que desemboca na Rua da Ribera de Curtidores, enche-se de gente que quer vender, comprar ou simplesmente apreciar. Há muitos anos que é assim.
Nas bancadas de rua, os artigos são variados: novos, em segunda, terceira, quarta e, às vezes, em quinta mão. É, sobretudo, uma feira de velharias. Quem vende, pretende desenvencilhar-se daquilo que já não tem uso; quem compra pretende dar uso a artigos que nunca viu, que achou graça ou que um dia já teve, mas perdeu. As origens do actual mercado remontam ao século XV, quando, na altura, se vendia apenas roupa usada.
Bem no centro de Madrid, a escassas centenas de metros da Porta do Sol, entre o típico bairro de “La Latina” e a Porta de Toledo, arma-se ali, todos os domingos e feriados, um dos maiores mercados a céu aberto da Europa. É muito variado. Vendem-se meias, talheres, copos e louça, roupa, pianos, velas e candelabros. Mais à frente há plantas, revistas e livros antigos, bijutaria, telemóveis, quadros e televisões. Desviamos o olhar e encontramos brinquedos, bonecas de pano e lençóis de cama. Há de tudo. Vende-se tudo.
De manhã e de transporte público
A melhor forma de chegar é de transporte público. São várias as estações de autocarros e de metro. Estacionamento? Impossível. Os únicos espaços que poderiam servir para o aparcamento de veículos também estão pejados de comerciantes e clientes que lutam pelo melhor preço.
Sempre que há Mercado do Rastro, também há enchente. A altura mais calma, ainda assim atribulada, é das 9h00 às 11h00. Às 13h00, já é difícil respirar. Por volta das 14h00, o mercado começa a perder afluência. Às 16h00, são poucos aqueles que ainda vendem ou vão à procura de algo. Todos os guias de Madrid recomendam a passagem pelo Mercado do Rastro. Na capital espanhola, toda a gente o conhece. É um dos locais predilectos para os carteiristas, mas quem lá vai regularmente sabe que é preciso ter cuidado.
Vielas repletas de móveis usados, roupa velha e cultura
A feira estende-se a várias ruas. Na Ribera de Curtidores vende-se artesanato, “roupa de primeira-mão” e antiguidades. Na Rua de San Cayetano, conhecida por ser a zona dos pintores, impera o mercado de arte. Apinhado de quadros, quem aprecia pintura raramente perde o local. Na Praça do General Vara del Rey apregoa-se, especialmente, para vender artigos em segunda mão e móveis usados. Na Rua Rodas a atracção são as antiguidades. Na Esplanada del Campillo a oferta é variada: desde ferramentas domésticas, roupa em pele, discos de vinil e revistas antigas, das quais as pornográficas são as mais cobiçadas. A Rua Mira el Sol é indicada para cinéfilos. Tem tudo, de Andrés Pajares a Andrei Tarkovsky.
Obter uma nova licença é “impossível”
José Luís é dos proprietários das licenças para venda que, há já vários anos, estão esgotadas. O seu posto vende exemplares de revistas eróticas, de banda desenhada e de automóveis. Para José, que nunca dispensa os pregões, manter um lugar neste mercado, que “é dos mais típicos de Madrid”, “é difícil” e “custa muita pasta”.
António tem uma pequena loja de quadros na Rua Carlos Arniches. O proprietário da “Cuadros Guapos” conta que vir ao mercado do Rastro é como ir ver um “jogo de futebol”. As pessoas reúnem-se todos os domingos porque já faz parte do “protocolo de domingo”.
Apesar de confirmar que a Câmara Municipal de Madrid já não cede mais nenhuma licença para a feira, o comerciante diz que o mercado existe há “200 ou 300 anos” e “nunca vai desaparecer”. Segundo o lojista, a origem do actual nome do mercado teve lugar na Rua Ribera de Curtidores, local onde se comercializavam e matavam os animais. O abate era consumado a partir de um golpe na cabeça, o que originava um rasto de sangue que percorria toda a rua. Assim nasceu o actual apelido “Mercado do Rastro”, conta António.
Julio Gachuz vende cactos. Confessa que já perdeu a conta aos anos que já passou atrás da sua bancada, mas lamenta que a crise financeira tenha começado, agora, a prejudicar o negócio. Ainda assim, não abdica de marcar presença todos os domingos e feriados na maior feira de Espanha, já que “manter a licença não é caro”. O comerciante explica que o preço da autorização varia consoante o número de metros e a zona: pode ir até aos 200 euros anuais por metro quadrado.
Inmaculada baixou, mais uma vez, os preços das bugigangas, porque vendia muito pouco. Aqui há bijutaria, fitas para o cabelo, carteiras e lenços, tudo artigos manufacturados. Descreve o Mercado do Rastro como uma “forma de viver alternativa” que, contudo, se foi mudando ao longo dos anos. Para a comerciante, a “feira está cada vez mais parecida com um centro comercial”.
Carolina, uma freguesa, recorre, de vez em quando, às “novidades” do comércio no Rastro. Sempre com a carteira voltada para a frente e a tiracolo, para evitar os carteiristas, a cliente garante que quem vai ao mercado, escolhe sempre alguma coisa.
Há vários anos “de pé”, o ‘Rastro’ é um dos maiores mercados a céu aberto da Europa e o ponto de comércio mais emblemático de Espanha. Os comerciantes recusam-se a abandonar a tradição e só pedem mais apoios por parte do Estado. Por eles e para eles, “este mercado nunca vai acabar”.