Paulo Moura, grande repórter e professor universitário, esteve ontem, terça-feira, nas instalações do curso de Ciências da Comunicação para conversar sobre Jornalismo Literário.
Afinal o que é isso de Jornalismo Literário? A questão foi colocada à composta plateia que esteve ontem, terça-feira, no Curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto, para ouvir Paulo Moura, grande repórter do jornal “Público”. Habituado aos ambientes académicos, o professor da Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa optou por fazer o que melhor sabe: contar histórias.
E para responder à questão inicial, há que fazer primeiro uma distinção: se no jornalismo convencional – leia-se as “hard news” – as personagens são a duas dimensões, no jornalismo literário os actores têm três dimensões, são complexas, concedendo uma maior ambiguidade a este género. Aqui há espaço para uma estrutura complexa que não obedece obrigatoriamente à pirâmide invertida e para pormenores “pitorescos e poéticos”. “O jornalismo convencional não esgota a realidade”, remata.
Desafio: Encontrar a história
O factor humano é decisivo para a exploração e imersão nas várias realidades. Profundidade e inteligência são, para o repórter, as duas características indispensáveis para a prática do jornalismo literário. O desafio? Encontrar a história. O segredo? Manter o suspense, despertar a curiosidade e partir do princípio que ninguém lê – dicas a ter em mente para superar o desafio de cativar o leitor.
Depois, partir do real para chegar a toda uma ambiência que “rouba à literatura” algumas das suas técnicas, nomeadamente a reprodução de monólogos e de figuras estilísticas que “jogam com o tempo” (analepse/prolepse), etc.
Contudo, Paulo Moura esclarece que as regras basilares do jornalismo são para cumprir. Para os mais confusos, o autor deixa bem claro: ser sempre honesto. O termo “personagem” refere-se às fontes reais, que nem por momentos são fictícias, e há diferenças entre história e intriga.
“Não é enfeitar o texto, nada de adjectivos ou advérbios. Usem verbos, sejam criativos e a acção fala por si”, aconselha o repórter. “Grandes acontecimentos não garantem grandes histórias.”
Anos 60 e New Journalism
Não se podia falar de jornalismo literário sem a devida contextualização: o género remonta aos anos 60. O mundo estava em mudança, cansado do que lia e o conflito de gerações era real: o “new journalism” preconiza novas formas de narração e seduz vários autores como Gay Talese.
São vários os escritores realistas que foram os precursores deste género. Apesar de alvo de várias críticas e de ter caído em algum descrédito pelo abuso de alguns autores que adulteraram as suas histórias (manipulação do tempo, personagens fictícias), esta vaga reaparece nos anos 80 com regras jornalísticas bem definidas.
As influências literárias percebem-se: Tom Wolfe e Hunter S.Thompson, Norman Mailer, Truman Capote, entre outros, galvanizam o conceito. Nos portugueses, Paulo Moura destaca Lobo Antunes, Saramago e Eça de Queirós.
Sobre o eventual menosprezo à volta deste género em Portugal, o autor dá o exemplo da realidade americana em que tudo é diferente. “Algo vai mudar”, acredita.
“Neste género, não há um maior risco de parcialidade?”, pergunta alguém. Paulo Moura admite esse risco, mas adverte que, não obstante a subjectividade e interpretação, “literário não é ficção”. Independentemente dos meses que se podem passar com alguém para escrever determinada reportagem, deve sempre estabelecer-se um “contrato inicial”, claro e com regras. “Um jornalista não é um amigo”, salienta Paulo Moura.
E para os mais desconfiados o autor cita Tom Wolfe: “Há coisas tão bem escritas que parecem mentira.”