João Paulo Meireles ocupa, aos 28 anos, o cargo de líder da concelhia do Porto da Juventude Social-Democrata (JSD).

Advogado de profissão, tem a consciência de que existe “um problema de habitação na cidade do Porto” que afecta, muito particularmente, os jovens. Salienta, porém, que a habitação é uma “política estadual”, em que também se enquadram grande parte dos problemas focados no Diagnóstico Social do Porto.

O deputado municipal lamenta o fim do projecto Porto Feliz, que, a seu ver, terminou por razões de “política mesquinha”. Recusando-se a contrariar a política cultural da autarquia e a mudança de gestão do Rivoli, João Paulo Meireles prefere evidenciar o papel “impulsionador” que a Câmara Municipal do Porto [CMP] teve e tem com a iniciativa privada.

Esta é a segunda entrevista resultante da parceria com o blogue “O Porto em Conversa“, da autoria de Vitor Silva. Todos os meses vão ser entrevistados líderes das juventudes partidárias do Porto, preferencialmente aqueles que marcam presença na Assembleia Municipal.

Ouça a entrevista completa aqui.

Hoje em dia é difícil para um jovem conseguir viver na Baixa da cidade. A JSD Porto está atenta a esta realidade?

A JSD como força de juventude entende que nós temos um problema de habitação na cidade do Porto. Dos mais de 40 mil fogos alguns estão desocupados ou porque os serviços não sabem que as pessoas não estão a usar a casa, o que seria motivo de despejo; ou porque [as casas] necessitam de intervenção; ou então porque muitas vezes há de facto todos estes imbróglios jurídicos que se arrastam durante muito tempo e fazem com que as casas não possam ser atribuídas.

A JSD entende que, de facto, o ideal seria todos poderem aceder a uma habitação municipal, mas a verdade é que temos de fazer algum condicionamento a esse acesso porque os recursos são limitados. Talvez fizesse algum sentido que não fosse um acesso à habitação municipal absolutamente ilimitado, a fiscalização tem de ser mais decisiva, e, de facto, os jovens, até no sentido de impulsionar a cidade e conferirem outra dinâmica, deveriam ter um papel especial dentro da habitação municipal.

De qualquer forma, não existe uma quota para jovens e se calhar isso seria o ideal ou pelo menos poderia permitir que os jovens acedessem com outra facilidade. Ainda assim, haverá ao longo deste mandato uma aposta na construção de residências universitárias. Não se trata exactamente da mesma situação, mas é pelo menos alguma forma de também contribuir para a redução do problema habitacional dos mais jovens.

Uma das grandes prioridades do executivo PSD/CDS-PP de Rui Rio tem sido, realmente, a reabilitação urbana. No entanto, esta reabilitação não se centra tanto no arrendamento jovem e barato. Como é que um jovem que tenha saído da Universidade, que não pode estar numa residência universitária e que realmente não tem dinheiro para pagar as rendas desses apartamentos pode viver na Baixa?

“Temos um problema de habitação na cidade do Porto”

A Câmara tem, no que diz respeito à habitação, uma função mais dirigida para a acção social do que propriamente para a habitação. A habitação é uma política estadual, que é dirigida pelo Instituto de Habitação e da Reabilitação Urbana, e não é a CMP que tem de se substituir ao Governo. Nós tínhamos um incentivo ao arrendamento jovem, o IAS, que foi substituído pelo Porta 65, numa alusão ao artigo 65 da Constituição, que efectivamente foi uma ferramenta completamente desajustada porque pelos valores que pedia por determinadas tipologias conseguiu excluir uma grande parte dos jovens do sistema de apoio.

Houve agora um ajuste que permitiu que a fórmula fosse mais abrangente, mas ainda assim estamos muito longe. Paralelamente ao arrendamento, a verdade é que é hoje muito mais rara a fixação através da aquisição de habitação própria – as pessoas mudam de trabalho com muito mais frequência, não têm as raízes tão aprofundadas.

Ainda assim deveria existir alguma ferramenta. O PSD quando governou criou o crédito bonificado jovem e também foi o PSD que terminou com esse tipo de crédito. As razões prenderam-se, essencialmente, com a fraude que se praticava, em que os pais dos jovens adquiriam as habitações em nome dos filhos para terem acesso ao regime bonificado. Aqui, no meu entender, a medida em si ou o mérito. O que está em causa é a falta de fiscalização e os abusos. Isto para dizer que a política de habitação é essencialmente uma questão não-camarária mas estadual e que efectivamente todos os jovens têm muita razão de queixa.

Mas será que a Câmara não podia intervir nesse sentido? Há tantos edifícios devolutos, o próprio João Paulo ja falou disso.

Nesse sentido, o que fará mais sentido é que a questão da habitação jovem esteja ligada à reabilitação da Baixa porque se nós pensarmos bem e se compararmos, o Porto hoje é muito diferente. Hoje e no futuro conseguimos fazer um eixo de mobilidade muito mais relacionado com a diversão nocturna e com o lazer. Foi feito aqui um ciclo que, em termos de animação nocturna, mudou completamente a realidade. Se antigamente falávamos de desertificação, hoje os problemas são a falta de limpeza, a dificuldade de mobilidade e o ruído. Portanto, essa situação está resolvida.

“Todos os jovens têm muita razão de queixa”

O que é que está a faltar? Falta a radicação das pessoas que frequentam essas zonas. A forma de trazer mais habitantes à Baixa passa pelos jovens, principalmente pela características das casas – não têm garagem, muitas vezes, no caso da Sé, até são em sítios em que não se conseguem aceder por automóvel e onde não há elevadores. E há de facto muitos imóveis devolutos no Porto, mas muitos são de privados e isso cria imensos problemas do ponto de vista jurídico.

Aqueles que sao da Câmara têm vindo a ser recuperados, mas precisamente por se tratarem de casas enormes, com pés direitos muito altos, que estão abandonados há algum tempo, trata-se de uma recuperação cara e tem-se recorrido a materiais nobres. O valor do edificado recuperado acaba por não ser um valor propriamente muito apetecível para os mais jovens. Estará, se calhar, na altura de ponderar algumas alterações à forma como a reabilitação está a ser feita para tentarmos captar outros segmentos do mercado, nomeadamente os mais jovens.

Foi recentemente apresentado o Diagnóstico Social do Porto [em PDF]. Para o nosso entrevistado anterior, Tiago Barbosa Ribeiro, da JS, o estudo é uma prova “catastrófica” do trabalho que “não tem vindo a ser desenvolvido” pela autarquia. Como é que encara este diagnóstico?

O Diagnóstico Social foi encomendado à Universidade Católica pelo anterior executivo e este executou-o. Portanto, foi o próprio executivo que pretendeu ter acesso a esta informação e foi o próprio a tomar iniciativa e a pedir, até a uma entidade externa, o mais verídica possível. Efectivamente encontramos muitas coisas no Diagnóstico Social que nos assustam e nos preocupam. Agora a verdade é que há várias interpretações que se podem fazer dos indicadores que lá constam.

Uma das realidades que caracteriza é precisamente a questão demográfica, onde há um envelhecimento da população e onde há um decréscimo populacional. Esse decréscimo resulta das pessoas que saem do Porto, que não são nem de longe nem de perto os valores que de forma alarmista vão sendo divulgados – pelo menos há indicadores que contrariam isso – mas quando se fizer o Censos 2011 não haverá nenhuma dúvida.

E tem a ver também com o crescimento natural, [com o facto de] o número de nascimentos ser muito inferior ao número de óbitos. Este crescimento natural negativo não é recente, já vem, e eu estudei isso, desde 1991, muito antes do PSD e do Dr. Rui Rio estarem no Porto. Mesmo o saldo migratório para concelhos limítrofes também se iniciou ainda na década de 90. Ora, dificilmente, podemos dizer que isto é um falhanço da CMP.

“[No fim do Porto Feliz] o Estado deveria ter sido uma pessoa de bem”

Outra questão que é tratada no Diagnóstico é a prestação de cuidados de saúde. Mais uma vez, não é da competência da CMP gerir os centros de saúde ou o SNS. Estamos a falar da Administração de Saúde do Norte. Outra questão tem a ver com o desemprego e, mais uma vez, combater o desemprego não é uma função municipal. Pode tentar, uma vez que a administração central é insuficiente, mas não tem estrutura para tentar combater o desemprego de forma directa. Há sim que estimular a actividade através de parcerias público-privadas para que a cidade tenha outra dinâmica, mas a responsabilidade do desemprego não é da Câmara.

Uma outra situação prende-se com a assistência social. Mais uma vez, estamos a falar do centro distrital de segurança social, não estamos a falar da CMP. Outras situações são as situações escolares e, mais uma vez, tirando a questão do edificado, estamos a falar de competências da Direcção Regional do Norte. Portanto, só com muita má vontade é que se tenta dizer que a responsabilidade é do actual executivo. Curiosamente, na Assembleia Municipal onde foi apresentado e discutido o Diagnóstico Social houve intervenções que chamaram a atenção para muitos dos dados que lá estavam. Naturalmente que a oposição não deu palco a todas as indicações que também vinham no Diagnóstico.

Uma ideia que pode ficar é que se calhar são iniciativas que não estão a ser bem colocadas ou direccionadas porque fica a ideia que se calhar a Câmara não tem tido um papel muito interventivo a esse nível…

Concordo consigo, a verdade é que termos um retorno visível nestas iniciativas é complicado. Para começar porque por mais que queiramos e por muita boa vontade, vamos sempre intervir num número reduzido de situações porque infelizmente sao muitas [as] que necessitam da nossa atenção, recursos e meios financeiros. Por outro lado, também se compreende que algumas destas medidas demorem algum tempo a causar impacto. Mas uma coisa é certa: a ideia de que este executivo não elegeu como prioridade a acção social só com muita má fé é que pode ser defendida.

Um dos programas que teve bastante visibilidade no primeiro mandato de Rui Rio foi o Porto Feliz e pode-se dizer que teve algum sucesso, principalmente ao comparar com a situação actual das ruas do Porto, em que se vê muitos mais arrumadores do que já se viu. Foi um programa que foi extinto em 2006 pelo Estado, de alguma forma. Desde 2006, a Câmara ainda não conseguiu construir ela própria um programa local?

Eu estou muito à vontade para discutir a questão do Porto Feliz. A forma como acabou é inqualificável porque dos três parceiros – Ministério da Saúde, o IDT [Instituto da Droga e da Toxicodependência] e o Porto – retiraram-nos um terço do financiamento que era a mesma coisa que deixar a CMP completamente incapacitada para levar o processo adiante. Pior do que isso foi feito em cima de joelho, sem avisos prévios, e havia já obrigações da fundação Porto Social, que tinha o projecto Porto Feliz a seu cargo. O Estado deveria ter sido uma pessoa de bem. Lembro-me até que algumas semanas depois houve uma corrida, penso que de bicicletas, que foi financiada pelo IDT. Ou seja, o IDT, em poucas semanas, depois de ter cortado os fundos ao Porto Feliz, organizou e subvencionou uma campanha para pessoas saudáveis, que não deveria ser a incumbência principal do IDT. É para vermos como as prioridades estão invertidas.

Eu sei que a Câmara tem tido algum esforço de redução de défice. Se calhar poderia ser alocado para este projecto…

O problema deste projecto é que é um projecto caro. Não pode ser um projecto que se meça por índices quantitativos. Não estamos a falar apenas da desintoxicação de um ex-toxicodependente ou de um excluso social. Havia um monitor que os acompanhava numa espécie de comunidade terapêutica em apartamentos para o efeito, havia a preocupaçao de criar hábitos de vida saudáveis, de procurar colocar essas pessoas no mercado de trabalho, o que não é propriamente fácil atendendo aos antecedentes. E fazer a reinserção desse indivíduo implicava o desenraizamento de amizades, hábitos… Era custoso, demorava o seu tempo, ocupava técnicos, psicólogos, pessoas que estavam permanentemente nesse regime. A CMP sozinha não poderia fazer isso até porque não deveria ser uma incumbência da Câmara. Fez esse esforço, [mas] a partir do momento que ficou manietada, não conseguiu.

Curiosamente, e porque existiu muita má vontade para um projecto que era caro mas que produzia efeito, abriram créditos para IPSS [Instituições Particulares de Solidariedade Social] para fazerem uma actividade muito semelhante àquela que estava a ser feita no Porto Feliz. Isto um ano e meio volvido. Portanto, a verdade é esta: o projecto é bom, os ideais são bons, a forma de abordar o problema é a ideal. O que interessou ao IDT é que não fosse desenvolvido pela CMP por questões de política mesquinha, não há outra forma de dizer isto. Se calhar, alguns técnicos que até ficaram libertos do Porto Feliz estão nessas IPSS.

Este executivo também é acusado de não manter uma política cultural na cidade. Pelo contrario, dizem, por exemplo no caso do Rivoli, que prefere apostar no sector financeiro do que propriamente na cultura. Aliás, há pouco o João Paulo falou da noite do Porto, mas grande parte dos sítios que abriram foram fruto da iniciativa privada. Como é que encara estas críticas?

“A Câmara tem sido uma grande impulsionadora da actividade privada”

O Dr. Rui Rio, independentemente de todas as qualidades que tenha, há uma fama de que nunca se vai lembrar que é a da expressão: “Quando me falam em cultura eu saco da calculadora”. Relativamente à iniciativa privada, é um facto que o repovoamento e a dinamização da Baixa têm dependido muito do papel dos privados, mas se calhar porque os privados agora perdem muito menos tempo à espera de uma licença.

Mas diz-se que no início não foi bem assim…

Naturalmente que ao longo do tempo vamos limando os procedimentos e logicamente que hoje as coisas funcionam melhor do que há quatro anos e espero bem que daqui a dois funcionem melhor do que agora. Mas, por um lado, é este processo burocrático que foi todo ele agilizado. Depois a questão da segurança porque se calhar havia zonas da cidade que não eram intransitáveis, mas que se calhar não eram apelativas. Ruas mais largas, o corte de árvores e árvores adequadas, passeios mais largos, etc. Tudo isto está a ser revisto mas tudo isto tem a ver com uma série de políticas que estão interligadas. A Câmara tem sido uma grande impulsionadora desta actividade privada. Relativamente ao Rivoli…

Mais a título de exemplo…

Pois, eu fico satisfeito porque o Rivoli está cheio ou de portuenses ou de pessoas que não sendo do Porto são de áreas próximas e que vêm ao Porto e visitam a cidade. Entre isso e a alternativa que tínhamos antes, em que academias de música o ocupavam para fazer os seus espectáculos de Natal, em que efectivamente eram os alunos, os pais e os familiares que preenchiam aquela sala, tendo ainda por cima os custos que tinha para a cidade, penso que estará melhor agora.

Mas a verdade é que também houve associações e companhias que ficaram sem palco. O Balleteatro, por exemplo, e outros grupos de teatro mais pequenos. Isto acontece e ainda hoje não há uma alternativa. A questão é que a Câmara abdicou de um dos instrumentos que poderia ter para uma política cultural. Preferiu definir essa intervenção entregando-o a um privado.

Há de facto essa escolha e tem de ser assumida. Entendeu o executivo, e na minha opinião bem. Preferiu rentabilizar doutra forma um espaço que estava a ser muito difícil de gerir e que dava um prejuízo incomportável.