Os portugueses que participam no Second Life têm um “discurso muito oficial”, no sentido em que importam para a plataforma “símbolos materiais muito ligados à história nacional”. Foi esta a conclusão a que chegou Paulo Frias, professor do curso de Ciências da Comunicação da Universidade do Porto, depois de ter estudado o comportamento dos portugueses na aplicação virtual.

“Há uma colonização enquanto metáfora”, refere o investigador, que defendeu, segunda-feira, na Universidade Nova de Lisboa, a tese de doutoramento “‘Novos Colonos’ – Comunicação, Representação e Apropriação do Espaço em Mundos Virtuais Online – A Comunidade Portuguesa em Second Life”.

Esta atitude é visível, por exemplo, na reprodução de símbolos nacionais, como é o caso de monumentos como a Torre de Belém, locais como a Praça do Comércio ou elementos típicos como manjericos e caravelas.

“Em primeiro lugar, nada obriga a que os elementos materiais estejam representados. Não se conseguem encontrar coisas mais experimentais.” É curioso, refere Frias, como “num mundo virtual que podia constituir um espaço de liberdade se escolhe copiar zonas que na realidade são limitadas”.

Ao terem a possibilidade de criar e vaguear livremente por espaços como o Mosteiro dos Jerónimos, os utilizadores conseguem, através do Second Life, ganhar privilégios que não teriam na vida real. “Por outro lado, constreem também sistemas de poder simbólico e de hierarquias” num mundo virtual, diz o investigador.

“No Second Life não tenho limitações de espaço, nem de tempo. Aqui elimino barreiras, que na realidade não me permitem exercer dominação”, exemplifica Paulo Frias, em alusão ao comportamento dos portugueses na plataforma.

Existe uma outra explicação para esta atitude, já do domínio da psicologia. “Há uma indução do conforto ao representar coisas que são mais familiares”. O investigador vai mais longe ao recordar uma situação vivida na ilha da UP. “Quando a estávamos a construir, aquilo não tinha nada. Apareceu uma rapariga e ela disse-me que não gostava muito [da ilha] porque não tinha mesas e cadeiras para falar com os amigos. No Second Life não é preciso. Há uma necessidade de reproduzir acções que nos fazem sentir confortáveis.”

Metodologia e outras conclusões

Para elaborar a sua tese, um dos métodos utilizados por Paulo Frias foi a realização de um inquérito, que foi respondido por 205 portugueses. Um número representativo num “universo difícil de estimar”, sublinha Frias, já que não se tem a certeza do número de portugueses na plataforma.

“No primeiro trimestre de 2010, soube que seis mil portugueses eram considerados utilizadores activos no Second Life, isto é, passavam mais de uma hora por dia lá. Mas não tenho a certeza destes números.”

Dos 205 membros que responderam ao inquérito, “65% tinham entre 35 e 49 anos, 24% tinham entre 18 e 35 e 11% tinham mais de 50 anos”. Nota-se que os mais jovens não são grandes fãs desta plataforma virtual. “No Second Life não há objectivos estruturados, os conteúdos são criados pelos utilizadores e há só um pouco de rede social.” Estas características afastam-nos, conclui o investigador.

Ainda assim, aos mais jovens pertenciam as “respostas mais conservadoras”. “Foi a faixa etária que mais importância deu à utilização do idioma português”, explica Frias.

Curiosamente, praticamente todos os inquiridos já tinham utilizado o Second Life para diferentes objectivos (lazer, educação e cultura e negócios) e até tinham mais de um avatar.

Para futuras investigações na área, Paulo Frias deixa a dica: “estudar outras comunidades”. E porquê? “Os brasileiros, por exemplo, que vão muito à nossa ilha, andam sempre super-produzidos. Os polacos são totalmente underground. Dão muita importância ao idioma, só falam polaco. Será que há formas diferentes de estar no Second Life?” Fica a questão.