Vera Rodrigues divide a sua actividade profissional entre a Economia e a Juventude Popular (JP), que representa na Assembleia Municipal do Porto. A líder distrital acredita que a Baixa está “a ficar na moda”, mas os jovens continuam a sair do centro por causa do ritmo lento da reabilitação. “As circunstâncias actuais não ajudam à dinâmica do mercado imobiliário”, ressalva.

A economista afirma que a esquerda do Porto critica o poder autárquico simplesmente para “apresentar trabalho”, uma vez que apresentam “muito pouco conteúdo” no combate político que leva a cabo. Vê ainda a construção do Centro Materno-Infantil como algo “completamente absurdo” nos moldes em que se insere e acredita que se deve investir cada vez mais na área social e educativa.

Esta é a terceira entrevista que resulta da parceria com o blogue “O Porto em Conversa“, da autoria de Vítor Silva, que tem o objectivo de entrevistar todos líderes das juventudes partidárias do Porto, preferencialmente aqueles que marcam presença na Assembleia Municipal.

Ouça a entrevista completa aqui.

Comecemos pelo no Diagnóstico Social do Porto [em PDF]. Para o presidente da JS, o documento é “uma prova catastrófica do trabalho que não tem vindo a ser desenvolvido pela autarquia”. Já para João Paulo Meireles, da JSD, são “várias as interpretações” que podem ser adoptadas em relação ao estudo. Qual é a posição da JP?

Quem solicitou este diagnóstico foi a actual coligação, o PSD e o CDS. A não ser que fossem duas forças políticas absolutamente masoquistas, mais valia terem ficado quietinhas sem saber o que se está a passar. Esta caracterização e a forma como se vai poder actuar em diferentes vertentes nos diferentes problemas que este diagnóstico aponta só vão ser possíveis de ser feitas porque se conhece efectivamente a raiz dos problemas e as zonas críticas. De si, é um bom princípio ser feito esse levantamento e ter-se criado esse documento que, de alguma forma, caracteriza a realidade do Porto social.

O pelouro da inclusão social tem tido centenas de iniciativas que permitem atenuar, minimizar e compensar muito tempo perdido para algumas pessoas e gerações e faz uma actuação na juventude até à área de idosos. Um exemplo muito recente é a ligação das escolas com a formação na área da música para crianças, por exemplo, no Bairro do Cerco. Percebe-se que a aprendizagem de instrumentos musicais permite àquelas crianças ganharem um gosto e um interesse que os desvie de comportamentos desviantes. Não são medidas milagrosas mas são pequenos passos que permitem àqueles miúdos sentirem-se mais valorizados.

Depois, no próprio diagnóstico social, é importante percebermos que há várias directrizes. Há medidas que podem ser tomadas de forma isolada pela Câmara Municipal, há outras que não podem. Temos de perceber a situação social do Porto: muita população jovem tem vindo a sair para procurar casa nos arredores e isso não há câmara que consiga controlar. Isso faz com que muitas vezes sejam reforçados negativamente o tipo de habitantes com que estamos a ficar no Porto, nos bairros e nas zonas mais degradadas.

Quanto à reabilitação, acha que o papel de fiscalização da Câmara do Porto (CMP) tem sido suficiente? É que já aconteceu a derrocada do prédio na rua Miguel Bombarda em Agosto e agora em Novembro um prédio incendiado, em que a fachada caiu e matou um bombeiro.

A Câmara não pode fazer o papel de polícia de esquina em esquina e de rua em rua. Muitas vezes, os próprios senhorios são obrigados a tal, mas se não têm meios, não o podem fazer. Há situações em que a Câmara pode intervir, há outras em que está absolutamente limitada a fazê-lo porque muitas vezes não se consegue identificar sequer quem é o senhorio, muitas vezes são problemas de partilha e não se consegue perceber a quem atribuir a responsabilidade. Numa situação destas, a Câmara faz o quê? Uma expropriação? A quem? Não é tão linear assim.

Mas no caso recente da na Rua dos Caldeireiros, o caso e a pessoa responsável eram já anteriormente conhecidos.

E o que é que a câmara pode fazer numa situação dessas?

Isso é o que eu lhe pergunto.

Repare, tem uma casa e a casa está numa situação degradada e até está reunir umas poupanças para a recuperação. Acha justo a Câmara de um dia para o outro lhe tire a casa? Eu não acharia.

Mas não será mais seguro a expropriação da casa a esperar que, enquanto a senhoria faz a poupança, se corra o risco de cair e se ponha em risco a segurança das pessoas?

Não, aí discordo.

Parece-lhe suficiente o papel que a Porto Vivo – Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) tem desempenhado? A CMP poderia ter um papel mais interventivo, por exemplo promovendo um mercado de arrendamento?

A SRU tem uma participação maioritária do Governo e não da Câmara. E, por isso, a forma como tem actuado é por via de parcerias com fundos imobiliários, com o próprio Estado, com a própria Câmara Municipal… mas sobre a área de influência que a SRU pode ter, já fez muito mais que a entidade que antes estava com essa responsabilidade e, para o bem e para o mal, a reabilitação da Baixa não pode estar exclusivamente nas mãos do financiamento público, por isso tem dependido muito também do interesse imobiliário nessa reabilitação.

O mercado imobiliário está em queda e portanto não ajuda a que haja um interesse suficiente para o nível de reabilitação que se necessitaria. Ainda assim, o que se tem feito, nomeadamente a construção das unidades hoteleiras previstas para a zona da Baixa, são símbolos dessa revitalização e o tipo de equipamentos, lojas, restauração, bares… que lá se estão a instalar são prova disso mesmo.

“A Câmara não pode fazer o papel de polícia”

Os prédios que a SRU tem vindo a reabilitar têm tido uma procura enormíssima, portanto o que não está a ser feito não está a ser feito simplesmente porque não há financiamento para se fazer a um ritmo maior. Infelizmente, as circunstâncias em que estamos neste momento não ajudam propriamente a que haja a dinâmica do mercado imobiliário seja o mais adequado para o ritmo de recuperação de que a Baixa precisaria.

Então é inevitável que o Porto continue a perder habitação, e nomeadamente, jovens?

Não, de maneira nenhuma. Porque aquilo que é a Baixa hoje tem zero a ver com aquilo que era a Baixa há cinco anos. Quando vemos o tipo de ofertas que a própria iniciativa privada lá está a localizar, alguma coisa há-de querer dizer. É um claro sinal de que a Baixa está a ficar na moda. Mas depois temos aqui um pequeno problema. Nós nesta altura temos muita vida na Baixa e temos pessoas a queixarem-se do barulho que os jovens fazem. A Baixa estava ao abandono, tínhamos pessoas a queixarem-se de assaltos na rua porque não havia movimento. Não é fácil gerir tudo isto. Mas o que é importante é que a Baixa está a ganhar uma dinâmica que eu nunca tinha visto.

Relativamente aos cortes orçamentais que serão levados a cabo na autarquia, em que se pode canalizar essa poupança?

Eu acho que há áreas em que a CMP não pode deixar de investir – a área social e a área da educação. Ainda nesta Assembleia Municipal aprovámos um pedido de financiamento especial para um bairro social. É um sinónimo claro e evidente de que a área social não está de todo posta de parte. Tem-se investido muitíssimo nas parcerias com as empresas de construção para ajudar a que os próprios habitantes possam fazer a recuperação das suas casas e vivam nelas em condições com menos custos e onerando assim menos o erário público. Porque são áreas críticas para o Porto, nesta altura.

Eu se calhar punha à frente da cultura, por exemplo. Claramente que sim. Nós temos que ter no Porto uma população e crianças que tenham condições de crescimento salutares porque a não existência destas condições inquina completamente as gerações que virão. E, por isso, temos de criar condições de formação, boa educação… principalmente às classes que mais o necessitem. Para construímos um Porto mais equilibrado e que seja um Porto de futuro.

“Chegaram a ser arrancados cartazes da Juventude Popular”

Como é que a Vera encara o facto de a CMP ter tentado estabelecer zonas de proibição de colocação de propaganda política, chegando mesmo existir situações em que foi arrancada propaganda do PCP?

A Câmara o que definiu foi o programa e o regulamento de colocação de cartazes de todo o tipo de propaganda, definindo espaços próprios para que isso fosse feito. Não foi contra a colocação de cartazes do PCP, foi contra a colocação de cartazes de toda a gente. Chegaram a ser arrancados cartazes da JP. Partirmos do princípio que foram os cartazes do PCP a serem arrancados – não é verdade ou, pelo menos, não foram só os do PCP. E esse regulamento de propaganda tem tudo a ver com o ordenamento da cidade como um todo.

Nós entendemos que do ponto de vista da imagem do espaço público deve haver evidentemente sítios estabelecidos para tal. Havendo espaços que essa colagem possa ser feita, não há razão nenhuma para que andemos a colar cartazes em todos os postos de electricidade, seja com a cara de quem for. Portanto, é sinónimo de evolução civilizacional. Para o bem e para o mal de todos porque as situações são idênticas.

Então também considera correcta a decisão de sancionar os grafittis do PCP?

Eu não gostaria mesmo que fizessem graffitis na parede de minha casa porque vou ter de comprar tinta para a pintar. Isto se for recuperável com uma lata de tinta, que pode não ser. Não me interessa saber se são do PCP ou de quem é que são. Porque não haver espaços onde possam ser feitos? Agora, termos uma cidade inteira com as paredes todas pintadas seja por quem for, acho que é aquele momento em que a liberdade de uns choca um bocadinho com a liberdade dos outros. Não acho justo, não acho que seja um equilíbrio social digno de louvor. Não é o PCP que tem razão e os outros falta dela. É uma questão de coerência e organização.