As touradas são uma tradição em Espanha, mas tal como em Portugal e França, é um tema controverso que dá lugar a acesas discussões. A TVE, televisão pública espanhola, declarou no sábado que vai deixar de transmitir corridas de touros.

A decisão tem por base a actualização do livro de estilo do órgão. Ficou decidido que o canal deixará de transmitir as corridas pois estas geralmente coincidem com o horário em que as crianças ainda estão a ver televisão.

Segundo o “El País“, já teriam sido alegados problemas relacionados com o custo elevado dos direitos televisivos para justificar o fim da transmissão das corridas

Já em Julho, o Parlamento da Catalunha proibiu as touradas a partir de 1 de Janeiro de 2012, medida aprovada com 68 a favor, 55 contra e nove abstenções. A decisão foi tomada depois de uma iniciativa popular, que reivindicava o fim da lide, ter reunido 180 mil assinaturas.

Touradas como “Bem de Interesse Cultural”

Em Madrid, a situação é outra. Em Março, Esperanza Aguirre, presidente da Comunidade Autónoma de Madrid, elevou as touradas à categoria de “Bem de Interesse Cultural”. “Pertencem à cultura espanhola e mediterrânica desde tempos imemoráveis. Goya, Picasso, García Lorca, e, fora de Espanha, Hemingway e Orson Welles, ocuparam-se dos touros como um bem da cultura”, justificou a responsável, segundo o “El País“.

A iniciativa foi, desde logo, apoiada e adoptada pelos governos provinciais de Valência e de Múrcia, onde as celebrações taurinas são bastante apreciadas e defendidas. Duas semanas depois, seguiu-se Navarra.

Praça cheia por quem defende a “liberdade de todos”

Sempre que há festa na Praça de Touros de Las Ventas, em Madrid, Javier Manuel está presente. Para ele, é necessário respeitar a “liberdade de todos”.

Arsénio Enrique Martín foi um antigo toureiro espanhol. Agora, retirado da actividade, tem um lugar cativo nas bancadas de Las Ventas. Especialista da lide, defende que a tradição deve manter-se e ser protegida pelo poder político. Na sua opinião, aqueles que não respeitam quem aprecia a “encenação” e que impõem o fim da tradição, trespassam o “limite do razoável”.

Hernando Suárez garante que o touro não sofre. Para este apaixonado por touradas, que não gosta de futebol, a questão é simples: “quem não gosta dos touros, que vá ao teatro!” “Esta tradição também é cultura”, conclui.

José Carlos López é um historiador espanhol. Tal como Miguel, Arsénio e Hernando, também é um adepto da lide. Segundo o perito em história, estas celebrações, que se estendem a Portugal, França e Espanha, transmitem o “valor da vida” e da “valentia humana”.

Um país dividido por dissidências culturais

Em Março de 2010, a Plaza de Callao, no coração de Madrid, encheu-se de gente que se despiu para protestar contra a “violenta tradição”, reivindicando mais liberdade e mais direitos para os animais. As manifestações repetiram-se durante todo o ano.

Gerard Pérez Fontcuberta, um activista da organização internacional AnimaNaturalis, um organismo que luta pelos direitos dos animais, afirmou, em declarações ao JPN via e-mail, que o objectivo das manifestações passa por “despertar na consciência das pessoas a necessidade de reflexão sobre esta tradição” e por “gerar uma maior empatia para com os animais”. Nesse sentido, o defensor aponta para “um aumento considerável da participação de cidadãos nos eventos” a favor do fim das touradas.

A organização AnimaNaturalis, que, depois do envio de uma proposta aos concelhos de vereação de Espanha conseguiu a proibição de circos com animais em 25 municípios, tem uma “finalidade clara”, tal como diz Gerard Fontcuberta. “Queremos a proibição desta tradição imoral para além das fronteiras geográficas e ideológicas.” “É uma festa que nos repugna e nos provoca vergonha alheia”, defende.

Recolha de 150 mil assinaturas entre os mais jovens

O presidente da Associação Refúgio, Nacho Paunero, esteve à conversa com o JPN e revelou que a associação também pretende acabar com as touradas, tradição que desvia cerca de 550 milhões de euros anuais de fundos públicos.

Quanto à decisão de Esperanza Aguirre em decretar as touradas um “Bem de Interesse Cultural”, Nacho Paunero limita-se a comentar que há “milhares de madrilenos que estão contra as corridas de touros”.

O JPN contactou a organização El Toro, uma instituição que defende os valores da lide espanhola, mas não obteve qualquer resposta.