São 7h00. O relógio da aldeia acaba agora de marcar as badaladas. O frio teima em avermelhar e gelar a ponta do nariz. Está um frio de rachar. O céu lavrado com nuvens cinzentas esconde um sol envergonhado. Há geada no chão, na terra e na erva. É hora de sair de casa para tratar do gado. Alcides já tomou o pequeno-almoço e já está acordado há muito tempo. É madrugador.

Com a roupa do trabalho, uma boina cinzenta para esconder os cabelos brancos e a cara marcada pela dureza do trabalho no campo, Alcides dá de beber a Cabana, Vermelha e Bonita, as duas vacas e uma toira pequena com apenas nove meses.

A palavra de ordem à entrada do curral é “afasta, afasta!” As vacas parecem perceber na perfeição. Comem farinha. É a primeira refeição do dia. Ao longo do dia, Alcides ainda lhes vai dar mais um “chisquito” de comida: erva, palha, bandeira ou folhelho.

As vacas são tipicamente serranas. Castanhas de tom alaranjado e com olhos e cornos grandes. Comem numa espécie de manjedoura improvisada, feita com meia dúzia de tábuas, também elas improvisadas. No curral, um cheiro que quase atrofia os pulmões.

Agora é a vez das cabras. São oito e são brancas. Também comem farinha e têm “bebedouros” e “comedouros” suspensos na parede de pedra. Alcides utiliza o forcado, que, diz-nos, “é uma espécie de garfo em ponto grande” para espetar a erva e reuni-la em pequenos montes.

Enquanto o “mestre”, como é carinhosamente chamado, fecha a porta do curral das cabras, aparece na varanda uma figura de estatura baixa e com bastantes cabelos brancos. É Adília. Desce as escadas e vai ajudá-lo. Animais não faltam a este casal da aldeia. Têm as vacas e a toira, o porco, as cabras e os coelhos. Têm também as galinhas e os galos, os frangos e os cães. Já para não falar nos pássaros que mantêm em gaiolas. É muito animal para alimentar.

A aldeia de Fuste

Quase isolada no espaço, a aldeia de Fuste vive dependente da vila de Arouca. Situa-se perto da Serra da Freita, num cantinho em que todos se conhecem, partilham histórias e cumplicidades. A aldeia sempre foi feliz com pouca coisa – para alegrar os mais tristes bastam os serões, os jantares partilhados por várias famílias numa só casa, as idas para a escola, as lendas e as histórias que se contavam para amedrontar os miúdos e mantê-los afastados das florestas.

A aldeia ganha vida com o cantar do galo, mas as pessoas há muito que estão acordadas. Levantam-se cedo. A cama não os prende, não são preguiçosas. Não o podem ser, têm coisas para fazer, têm que trabalhar a terra, têm que semear, têm que colher os produtos. Têm de fazer tudo. Só não têm uma coisa: descanso. É uma aldeia envelhecida. A maioria trabalha no campo, vive da agricultura e do que a terra dá.