Ao fim de 50 anos de carreira, Júlio Cardoso, fundador da Seiva Trupe, sente-se em permanente “insatisfação”, numa constante procura pela evolução: “Acho que, no teatro, por muito perfeccionista que um actor seja, é impossível atingir realmente a perfeição.”

“Em teatro, ser verdadeiro é parecê-lo e a distância entre uma coisa e outra é o infinito”, confessa Júlio Cardoso. Segundo o fundador da Seiva Trupe, um actor deve sentir-se sempre insatisfeito, procurando “ser realmente o principal elemento da difusão da verdade e da preocupação em atingir a verdade, a verdade das coisas”.

Em Julho do ano passado, foi lançado o livro “Júlio Cardoso no Palco da Vida”, da autoria de António Rebordão Navarro. Ao relatar a sua vida, o actor adianta que tentou “acima de tudo, fugir da anedota”.

O livro foi mais uma forma de assinalar os 50 anos de carreira do actor e encenador, numa celebração que teve como expoente máximo a peça “Eu Sou a Minha Própria Mulher”, peça de Doug Wright, inspirada num travesti alemão, em que Júlio Cardoso interpreta 30 personagens.

Só existe teatro “quando o espectador sai melhor do que entrou”

Júlio Cardoso nunca trocaria Lisboa pelo Porto. “Sou um nortenho ferrenho”, diz. “Tenho recebido, desde muito novo, sucessivos convites para ir para Lisboa, mas eu sempre soube que vale a pena trabalhar aqui no Porto. Acho que, aqui no Norte, é preciso ‘partir pedra’. Se desistirmos de ‘partir pedra’, cada vez haverá mais penedos.”

O actor e encenador de 71 anos salienta que todos os portugueses adoram teatro. “O nosso povo adora teatro! Gosta muito de teatro, tem uma identificação muito forte com o teatro.” Ainda assim, acredita que o gosto do povo portuense pelas artes teatrais tem de ser motivado: “Eu penso que a motivação tem de ser feita de uma forma genérica. Tem de começar pelo Estado, que tem de utilizar todos os seus mecanismos para diminuir substancialmente as vacuidades a que assistimos.”

Para o fundador da Seiva Trupe, só existe verdadeiro teatro “quando o espectador sai melhor do que entrou”.

Júlio Cardoso admite que, há alguns anos, o público da Seiva Trupe era fiável, mas que “hoje estão já a surgiu novos públicos”. “Cada cabeça é uma ilha. Quando tenho cem pessoas à minha frente, são duzentos olhos a olhar para mim, são cem cabeças, cem ilhas e todas são diferentes”, confessa o actor.