A aposta na letra das músicas como forma de intervenção não é nada de novo em Portugal. A contestação ao Estado Novo e o 25 de Abril foram os momentos mais marcantes no que diz respeito à música de intervenção. A sociedade faz-se ouvir através das canções: “A Tourada”, de Fernando Tordo, ou “Grândola Vila Morena”, de Zeca Afonso, tornaram-se intemporais e estão ligadas ao imaginário de todos os portugueses, convertendo-se em parte da história.

A sociedade identifica-se com as músicas e com as mensagens que os intérpretes transmitem. Como contextualiza Francisco Lopes, professor de História da Música na Escola Superior de Música, Artes e Espectáculo (ESMAE), quando uma pessoa quer “justiça social, olha à sua volta e não a vê”, reage mais rapidamente à letra de uma música interventiva. Contudo, a reacção de uma sociedade “depende da sua forma de encarar e ultrapassar as situações e do contexto sociopolítico em que ela se insere”, remata.

Francisco Lopes não acredita que as músicas, por si só, possam desencadear uma revolução, já que tal possibilidade não depende só de um factor, mas sim “das repostas que possam surgir”.

Homens da Luta: “A canção é uma arma”

Começaram por ser comediantes, mas a sua música já é o hino da “Geração à Rasca”. Em entrevista ao JPN, Vasco (Falâncio), explica que o objectivo dos Homens da Luta é “dar alegria às pessoas”, ao mesmo tempo que cantam “uma música de intervenção um pouco mais divertida”.

Falâncio rejeita que o objectivo primordial dos “Homens da Luta” seja despertar consciências: “o nosso objectivo é animar a malta”, afirma.

Segundo Falâncio, para que uma música de intervenção seja bem aceite não pode descurar um factor essencial – “a verdade”, refere o músico. Os “Homens da Luta” escolheram o meio da música para fazerem passar uma mensagem sobretudo porque “a canção é uma arma que agarra as pessoas pela alegria”, remata.

“Formas pândegas” em tempo de crise

A primeira vez que o grupo “Os Deolinda” interpretou o tema “Parva que Sou”, o público do Coliseu dos Recreios aplaudiu cada verso, identificando-se de imediato com a mensagem da letra. A forma como a música foi escrita, conjugada com o cenário de crise, fez com que fosse “directamente à consciência das pessoas”, explica Isidro Lisboa, locutor da Rádio Nova.

As músicas consideradas “de intervenção” têm um objectivo claro e definido de despertar consciências, “além daquele simples prazer de ouvirmos um tema popular, melódico, harmonioso”, diz Isidro Lisboa. Este poder é capaz de “alterar sistemas políticos”, tendo em conta que as “formas pândegas” utilizadas na construção de músicas de luta são “mais fáceis” para que as pessoas as “compreendam e se identifiquem com as suas letras”, conclui.

Quanto à música do grupo “Os Deolinda” e dos “Homens da Luta”, Isidro Lisboa ainda questiona se não passam de “uma estratégia de marketing”. Todavia não tem dúvidas em afirmar que se trata de música de intervenção, porque “importa sobretudo a mensagem que está implícita” e porque “há ali um sentido de missão”.