José Eduardo Agualusa esteve presente no Feslatino (Festival Internacional de Culturas, Línguas e Literaturas Neolatinas), no Salão Nobre da Reitoria da Universidade do Porto, onde foi homenageado como escritor símbolo da neolatinidade.

De Huambo para Lisboa, passaram-se muitos anos e trouxeram-se muitas raízes. O que é que trouxe na mala dessas experiências e como que é isso marcou a sua escrita?

Eu acho que qualquer escritor recorre muito ao espaço da infância. São poucos anos, mas são anos que nos marcam para o resto da vida e aos quais sempre regressamos. Nesse sentido sim, esses anos de infância para mim são, e continuam a ser, importantes. Estão dispersos nalguns livros. Esses anos de infância continuam a ser fundamentais para mim.

Como se sente como escritor que tem as suas obras publicadas em mais de 20 idiomas?

Eu escrevo porque me dá prazer. Escrevo, em primeiro lugar, para mim porque tenho algumas coisas que me importa discutir com os outros ou dar a conhecer, promover o debate. Mas não penso muito no efeito que isso poderá ter, ou se os livros vão ser traduzidos. Acho que cada livro tem uma vida própria depois que é editado e vai-nos surpreender ou não. Às vezes não têm vida nenhuma. Nesse sentido, acho que é necessário uma certa irresponsabilidade enquanto se escreve. Se nos preocupamos excessivamente com a carreira de cada livro, o que pode ou não pode acontecer, o que as pessoas vão pensar, aí não se escreve mais. Para mim, o fundamental é a paixão, é continuar a ter paixão pela escrita. Ainda que ninguém me lesse provavelmente eu continuaria a escrever porque me dá prazer. Evidentemente prefiro ser lido e por isso é que publico livros. Tenho prazer na escrita e porque tenho coisas a dizer. Se não tivesse nada para dizer também não escrevia.

Em entrevista a Denise Rozário, falou que a escrita acaba por transformar o mundo. Tendo em conta o cenário actual português, como acha que a escrita pode mudar o nosso país?

Escrever é sempre reflectir, pensar. É pensar em conjunto. Quando se escreve e se publica é uma outra maneira de conversar com as pessoas, promover esse debate, essa discussão. Qualquer debate, qualquer discussão de ideias transforma o mundo porque as pessoas chegam a um determinado lugar com uma ideia. Mas, em confronto com uma outra ideia, às vezes dali nasce uma ideia melhor. Continuo a acreditar que sim, que o livro pode transformar o mundo. O livro é uma conversa.

Como é descreve o seu novo romance?

“Milagrário Pessoal” é um livro sobre a língua. Sobre a língua portuguesa e, de uma forma mais ampla, sobre a linguagem e a sua origem. Conta a história de uma linguista jovem, portuguesa, que trabalha com neologismos, com um programa informático que recolhe palavras de jornais publicados online. Ela analisa essas palavras para saber se são ou não neologismos, se podem ou não ser dicionarizadas. Um dia começa a encontrar dezenas e centenas de palavras novas, palavras tão perfeitas, adaptadas à realidade tão necessária que as pessoas nem se apercebem que são palavras novas. A protagonista vai à procura da ajuda de um antigo professor, que é um homem pouco convencional e que ela acha que talvez a possa ajudar.

Como é que as ideias surgem, como é a sua rotina de escrita e como se transforma num projecto de um livro?

As ideias surgem de maneiras muito diferentes. Às vezes, surgem no encontro como este, numa frase que se ouve que nos leva a pensar, que fica dentro de nós a bater. A partir daí consegue-se criar um enredo, à volta, às vezes de um sonho. Eu sonho muito. Às vezes sonho com uma personagem, com uma ideia, com imagem, uma fotografia. Alguma coisa que a gente vê, um personagem que encontra. Cada livro tem uma origem diferente. É um pouco mágico. O interessante é ver como se vão transformando e ganhando forma. Às vezes começo a escrever sem saber o que estou a escrever e, passado algum tempo, depois de uma certa insistência, as coisas começam a ganhar forma e compreende-se sobre que o que se escreveu.

O que diria aos jovens escritores sobre o mais importante numa carreira literária?

A paixão, sem dúvida nenhuma. Uma pessoa tem que estar apaixonada pelo quer que seja e tem que acreditar no que está a fazer. E tem que se divertir. No caso da literatura, a paixão por escrever passa pela paixão pela leitura. As duas estão ligadas. Um escritor é também um grande leitor. Se a pessoa tem essa paixão pela literatura, se alguns livros o arrastam para a escrita, o levam a escrever, essa pessoa tem de escrever, é seguir a sua paixão.

Acha que o cenário actual de precariedade e dificuldade, em Portugal, pode impelir os jovens a escreverem e a criarem?

Com certeza. Acho que circunstâncias difíceis são normalmente boas para a literatura. Levam a pessoa a pensar, criam histórias, acontecimentos e conflito. O conflito é muito importante na literatura. Cada pessoa é um ser particular, este tempo que estamos a viver agora é um tempo particular, que necessita de vozes que o digam e que o compreendam.