Uma das maiores desvantagens de Carlos Sá em provas como a “Marathon de Sables” é o facto de as condições de treino serem tão diferentes das que encontra em maratona. “Aqui, bebia um litro e meio de água forçado, lá bebia doze litros por dia e andava sempre cheio de sede”, conta o atleta. Mas a o ambiente árido é só uma das dificuldades que enfrenta.

Em maratonas que exigem o racionamento de água e comida, um desgaste físico sem igual e muita força de vontade, Carlos Sá tem de ter espírito de sacrifício e uma grande força psicológica.

O que o faz continuar é, como refere, “uma força interior” que não consegue “descrever muito bem. Só no final é que me sinto satisfeito”. “Essa gente perde muitas horas comigo e faz um trabalho altamente profissional. Só consigo retribuir todo o esforço deles com bons resultados, e ganhando provas”, afirma.

Paulo Pires é um treinador orgulhoso. Garante que Carlos Sá “segue à risca todas as indicações”. Mas, mais do que isso, Carlos Sá é dotado de “características que são fundamentais para o sucesso que ele tem”, afirma. Uma delas, e a mais importante na opinião do treinador, é “a capacidade de resiliência, que é a capacidade de tomar decisões em períodos de stress”. Depois, “é um indivíduo muito inteligente em termos de estratégia de prova”.

Um exemplo prático de que “nada se consegue sem trabalho”

O físico do atleta e o esforço a que se submete em condições extremas despertaram o interesse da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, que agora pretende avançar para um estudo prático que permitirá aos estudantes conhecer o metabolismo do atleta e aprender com isso, sob a alçada do professor João Paulo Campos.

“Nestas provas, a questão é sempre entre o que tu consomes e o teu rendimento. O objectivo é termos uma máquina mais eficaz e controlar o nível de treino de modo a tornar a técnica e o corpo dele mais eficaz”, explica Paulo Pires.

Mas o atleta garante que não é nenhum “talento nato”: “provavelmente, há muitas pessoas que poderiam fazer o que eu faço se tivessem a mesma motivação, o mesmo empenho e se tivessem por detrás a mesma equipa”.

Carlos Sá começou na Associação Amigos da Montanha de Barcelos e apaixonou-se pelo montanhismo numa expedição ao Perú, em 2005, com um grupo que incluía João Garcia, o primeiro português a escalar o Everest sem recurso a oxigénio. O treino intensivo que o alpinismo e o montanhismo exigem levou Carlos a treinar cada vez mais para acompanhar os colegas.

“No espaço de um ano ou dois estava a fazer treinos diários e com menos dez ou quinze quilos”, afirma o atleta. E Carlos Sá fez a diferença, não só na vida dele como na vida dos que o rodeiam. “Em Barcelos, há muita gente a iniciar-se nas corridas de montanha por causa do Sá. Até a mãe dele começou a correr”, conta o treinador.

Sá conquista maratonas, falta conquistar os portugueses

O maratonista, que já teve 92 quilogramas e que quando começou a treinar “tinha pança”, percebeu que tinha potencial para ir mais longe. Ganhou duas maratonas e foi ao “Alpino Madrileño“, considerada uma das maratonas mais duras (42 quilómetros). “Ficou em segundo lugar. À frente dele, só ficou o campeão europeu e ninguém conhecia o Sá”, conta Paulo Pires.

Mas se agora o atleta já é conhecido pelo Mundo fora, em Portugal ainda não lhe dão o mérito merecido. Apesar de estar em constante crescimento no mundo do desporto, não tem qualquer apoio institucional, não é profissional e tem o preço das inscrições nas provas a seu cargo. A inscrição na “Marathon des Sables”, por exemplo, custou-lhe cerca de quatro mil euros.

A próxima meta aproxima-se a passos largos. É já em Agosto que Carlos Sá quer conquistar “Chamonix”, a “Meca do alpinismo mundial”, a correr 158 quilómetros pelas Montanhas de Mont Blanc.