Paula Gil é uma das criadoras do movimento “Geração à Rasca” que, a 12 de Março, levou milhares de portugueses às ruas. Agora, com tudo o que Portugal tem vivido, muitos são os que ainda relembram o protesto. Para garantir que as vozes da manifestação pacífica não se desvanecem, Paula Gil e os outros três responsáveis pela “Geração à Rasca” criaram o Movimento 12 de Março (M12M), pois, afinal, “vale sempre a pena lutar”.

Entregaram vários documentos ao presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, que dizem ser “a voz das pessoas” que estão numa situação precária. Que resposta obtiveram?

Está acessível a todos os líderes parlamentares, a todos os deputados. Sabemos que alguns foram buscá-los e que o leram e levaram essas propostas ao Parlamento. Entretanto, o Parlamento foi dissolvido, pelo que não houve continuação do processo. Contudo, está disponível na biblioteca da Assembleia da República e pode ser consultado por qualquer pessoa desde 20 de Março.

Que mudanças é que acredita terem ocorrido depois do protesto?

Acho que houve uma consciencialização da sociedade civil. As pessoas perceberam que, de facto, a democracia participativa não é apenas votar de quatro em quatro anos, e que todos podemos contribuir para a mudança que realmente queremos ver no nosso país.

Algumas pessoas compararam o protesto da “Geração à Rasca” com a Revolução de 25 de Abril, no sentido em que ambos mostraram o desejo de uma mudança. Até que ponto é que vê uma semelhança entre os dois?

Eu penso que o protesto de 12 de Março foi muito diferente do 25 de Abril. A Revolução de 25 de Abril foi uma luta contra a opressão, contra o antigo regime. Foi uma busca pela democracia. Neste momento, nós temos já uma democracia e o protesto de 12 de Março apenas demonstrou que todos os portugueses estão disponíveis para lutar, tendo em conta as medidas que a democracia coloca à disposição, de modo a contribuir, de forma positiva, para uma solução e para um desenvolvimento positivo da situação de crise que se apresenta em Portugal neste momento.

Perfil

Paula Gil tem um Mestrado em Política Internacional e Assuntos de Segurança, com uma especialização em género. Neste momento, está a realizar um estágio profissional numa ONGD portuguesa. Numa simples conversa entre a jovem de 26 anos e os seus amigos (Alexandre de Sousa Carvalho, João Labrincha e António Frazão) sobre a situação do país surgiu o protesto da “Geração à Rasca”.

O protesto pretendia afastar-se da política e ser completamente apartidário. No entanto, muitos foram os políticos que o utilizaram, e também o termo “Geração à Rasca”. Como é que vê esse uso?

O protesto em si é apartidário. Mas nós temos pessoas ligadas a partidos, que vão desde a esquerda à direita, no sentido em que a precariedade toca toda a sociedade, é transversal, não interessa qual o partido que cada um milita. Temos também pessoas que não têm qualquer espécie de partido. Em relação ao facto de os partidos utilizarem o protesto, eu penso que se o fizerem para se compreender a insatisfação que se verifica em Portugal, entre os portugueses e todas as pessoas envolvidas, então é de facto positivo que venham a usar o que se ouviu na rua naquele dia, para alterar a situação com a voz das pessoas.

E porquê tornar o termo “Geração à Rasca” uma marca registada?

Decidimos torná-la uma marca registada de forma a prevenir maus usos desse nome, porque não queremos que o espírito de 12 de Março seja destruído e, por isso, pretendemos que se mantenha unido o nome com o protesto de 12 de Março e com o significado que isso lhe deu. Não queremos que seja usado a nível comercial nem partidário, mas não nos opomos ao uso das vozes que saíram de 12 de Março, se isso for utilizado de modo a desenvolver o país de uma forma positiva para todos.

Porquê criar agora o Movimento 12 de Março?

Para dar continuidade às iniciativas de democracia participativa, para incentivar o sentimento de movimentos, para nós próprios podermos continuar a desenvolver iniciativas contra a precariedade e dentro do espírito de democracia participativa. E, também, de modo a que sirva de ponto de encontro entre os diversos movimentos que surgiram e que ainda possam surgir com o 12 de Março, que possam coordenar posições, falar entre elas, criar novas propostas e que venham contribuir para uma função positiva.

Depois de tudo o que Portugal tem vivido, como a demissão do primeiro-ministro e o pedido de ajuda externa, acredita que Portugal vai ser um país “à rasca” durante muito tempo?

Acho que, em Portugal, existe uma ideia errada do FMI. O FMI não dá ajuda externa. O FMI é uma forma de empréstimo que terá juros altíssimos para Portugal. Sendo que isso poderá contribuir para um agravamento muito grande na nossa situação que poderá ainda durar algum tempo. Tenho esperança que, saindo das negociações, seja qual for o partido político que lá esteja, tenham em conta a voz das pessoas, dos portugueses, que estarão em causa durante os próximos anos.

Vale a pena continuar a lutar ou o futuro passa pela emigração?

Vale sempre a pena continuar a lutar. Eu compreendo os jovens que saem do país, eu própria já estive fora de Portugal. E não aproveitar a qualificação dos jovens é perder a oportunidade de desenvolver o país. Vale sempre a pena lutar, mas não ponho em causa a vontade de muita gente em ver as suas expectativas resolvidas, ver os seus sonhos realizados.