Brilhantes o suficiente para desenvolver um sistema de engenharia ou ser os primeiros da sua turma, mas incapazes de fazer amigos porque não conseguem distinguir o bom do mau, o engraçado do grave, o fantástico do real. Em cada 300 pessoas nasce um Asperger e, apesar da frequência, a maioria dos portadores não está diagnosticado, passando por excêntricos ou génios loucos.

O síndrome de Asperger é uma perturbação neurocomportamental de base genética do espectro do autismo que, em Portugal, afecta cerca de 40 mil pessoas, sendo mais frequente no sexo masculino do que no feminino (cerca de quatro vezes mais afectado). A perturbação caracteriza-se, essencialmente, por “alterações ao nível dos comportamentos, alterações na linguagem e na socialização”, explica a psicóloga do Centro de Desenvolvimento Infantil do Porto, Daniela Santos.

Origens do síndrome de Asperger

O primeiro estudo realizado sobre o Asperger remonta a 1944, quando o psiquiatra e pediatra austríaco Hans Asperger publicou uma investigação numa revista no Vietname. A pesquisa não chegou a ser conhecida em nenhum país de língua inglesa até 1982, altura em que Lorna Wing, psiquiatra do Reino Unido, começou a investigar o assunto, designando-o de “Síndrome de Asperger” como tributo ao seu autor. Mas só em 1994 o síndrome passaria a ser reconhecido como um transtorno psiquiátrico, figurando no Manual Estatístico de Diagnóstico de Transtornos Mentais, de onde seria eliminado a 10 de Fevereiro de 2010.

A melhor forma de compreender o síndrome, diz o director da Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger (APSA), António Vieira, é “imaginar o espectro da luz” num padrão de cores. Numa ponta, encontram-se os autistas, “miúdos sentados num mundo fechado por completo” e, no outro extremo, encontram-se os Aspergers, “muito funcionais com altas capacidades intelectuais”.

Em termos cognitivos, Daniela Santos destaca que os Aspergers podem ter uma “capacidade intelectual superior à média” mas, em termos comportamentais, podem ser miúdos com “baixa auto-estima” e alguns “tiques” nervosos. Apesar de serem “muito inflexíveis pela adesão a determinadas rotinas ou ideias pré-concebidas”, normalmente “não têm problemas graves de comportamento”, sublinha a psicóloga.

O síndrome de Asperger distingue-se do autismo uma vez que não apresenta nenhum atraso ao nível do desenvolvimento cognitivo e da linguagem. Contudo, os “aspies” (como são conhecidos) apresentam algumas das dificuldades de comunicação e de interacção social dos autistas. Daniela Santos conta que estes sinais podem aplicar-se a miúdos que “têm tendência para se isolarem” ou “que não têm grande habilidade para iniciar uma conversa com o grupo de pares” ou crianças com uma memorização mecânica que os pode levar a saber tudo sobre “dinossauros ou uma determinada personalidade”.

“Diferenciação no diagnóstico”

Embora o síndrome de Asperger seja uma disfunção com origem num funcionamento cerebral específico, não existe, ainda, um marcador biológico, pelo que o diagnóstico é baseado num conjunto de variáveis comportamentais. António Vieira refere que existe uma “diferenciação no diagnóstico”, uma vez que as perturbações do espectro do autismo “são possíveis de identificar relativamente cedo” (por volta do ano e meio ou dois anos), enquanto que o síndrome de Asperger só é possível diagnosticar por volta dos seis ou oito anos, quando os “aspies” entram para a escola e começam a ter os primeiros problemas de interacção e comunicação.

Por ser um transtorno reconhecido recentemente pela comunidade médica, ainda é subtilmente desconhecida pela população em geral. Por esta razão, muitos casos não estão diagnosticados ou recebem um diagnóstico errado. No entanto, é importante estabelecer um diagnóstico o mais cedo possível para poder realizar um tratamento adequado. O acompanhamento do portador deste síndrome permite prevenir quadros de baixa auto-estima, fracasso escolar ou depressão.

Tratamento

Ainda não existe tratamento médico para o Asperger. Contudo, o programa de terapia para um portador deve ser interdisciplinar e, segundo as suas dificuldades, pode incluir terapias de linguagem, terapia ocupacional, psicopedagogia e apoio psicológico, orientado para controlar a ansiedade e praticar as capacidades de interacção social, bem como a resolução de problemas.

Já no caso da existência de outro diagnóstico, como a hiperactividade ou défice de atenção, pode haver a necessidade de medicação. Daniela Santos afirma que, normalmente, faz-se uma “intervenção nas dificuldades académicas”, caso elas existam, como “dislexias, disgrafias e calculias associadas” e, a par disso, faz-se, também, uma “intervenção nas competências sociais para ensinar a criança a saber estar e a compreender as regras da sociedade”. Desta forma, o “aspie” pode ser acompanhado e ajudado a contornar determinadas características e, muitas vezes, a ultrapassá-las.

Centros de apoio em Portugal

Criada em 2005, a Delegação Norte da APSA acompanha cerca de 140 famílias com casos de Asperger. A missão é “promover a integração social, escolar, familiar e profissional dos portadores do síndrome”, através do investimento no desenvolvimento da sua autonomia para “criar condições para uma vida com mais qualidade e dignidade”. António Vieira considera que, nos nossos dias, a sociedade já está “muito desperta e mais sensibilizada” sobre o síndrome, graças ao “trabalho desenvolvido nos últimos anos por uma série de associações de pais”.

Enquanto os autistas estão, normalmente, ausentes e desinteressados do mundo que os rodeia, muitos “aspies” querem socializar e gostam do contacto humano, apesar das dificuldades que têm em fazê-lo. Nesse sentido, António Vieira explica que a APSA pretende criar um “centro de actividades ocupacionais” direccionado a jovens maiores de 16 anos para que “possam ter uma ocupação”, visto existir “muita gente em casa sem enquadramento profissional”.

Torná-los mais autónomos e ocupá-los com competências sociais são alguns dos objectivos deste espaço, que pretende que as empresas disponibilizem a matéria prima para que os “aspies” possam trabalhar num sítio que “dominam, onde se sentem bem, onde estão tranquilos e onde há supervisão”, refere António Vieira.