Em Portugal, “não há uma lei para crianças desaparecidas”. Carlos Anjos, inspector da Polícia Judiciária (PJ) e presidente da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes explica, ao JPN, que, pelo facto de muitos desaparecimentos serem fugas temporárias e não raptos ou outros crimes, “ficou institucionalizado no Estado” um período de espera de 48 horas antes de se iniciar as investigações. Mas esta espera pode “comprometer as investigações”, alerta, defendendo, neste Dia Internacional da Criança Desaparecida, a criação de um “quadro legal para os desaparecidos”. “Aos polícias, estão vetados recursos como pedir mandados de busca e escutas telefónicas, pela simples razão de que não é crime”, diz.

Para Carlos Anjos, as primeiras horas de um desaparecimento são “imprescindíveis”, pois a livre circulação de pessoas contribui para o agravamento da situação. “Não há fronteiras”, relembra o inspector, dando um exemplo: “mete-se uma criança ou um adulto, alguém voluntário ou involuntário, num carro em Lisboa, e, sem nenhum controlo, chega-se à Polónia”.

“Por cada hora que se perde numa investigação de um desaparecimento, diminuem as possibilidades de se encontrar a criança”, sublinha Carlos Anjos, realçando a importância de, nas primeiras horas a seguir ao desaparecimento, ser fundamental “contactar a polícia e começar logo a investigação”. Mas antes disso, considera que “o poder político, a Assembleia da República e os partidos deveriam fazer uma lei que identificasse a situação de desaparecimento” explicasse “quais as medidas de investigação”.

Número de desaparecidos “tende a aumentar”

A culpa não é só da legislação. Os pais também têm “alguma responsabilidade”, afirma o inspector.”Quando um filho desaparece, os pais tentam ligar para os amigos todos, e só passado algumas horas, às vezes dias, contactam as polícias”. Mas, mesmo quando os pais entendem a importância das primeiras horas depois do desaparecimento, Carlos Anjos lamenta que “o desespero dos pais esbarre na indiferença legal do sistema”. “Falar com os amigos, fazer o percurso do último dia, ir à escola recolher informação é o que pode ser feito” nestes casos, garante, pois “a lei não permite fazer mais nada”.

Recordemos, neste dia, os números da Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas (APCD): 766 casos de desaparecimentos de jovens em Portugal desde o início do ano. Segundo o inspector da PJ, a grande maioria dos desaparecimentos ocorrem entre os 12 e os 16 anos e resultam de paixões adolescentes e das más notas obtidas na escola. Aliás, Carlos Anjos refere que “o fim dos períodos [escolares]” é dramático. “Há sempre um pico de desaparecimentos quando há notas escolares”, salienta.

E o número avançado pela APCD tem tendência para aumentar, entende o também presidente da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes. “Cada vez os pais têm menos tempo para estar com os filhos” e estes “passam cada vez mais horas sozinhos”, explica, referindo que “os jovens começam a ganhar cada vez mais autonomia”.

Essa autonomia pode traduzir-se num acesso livre às redes sociais, que permitem um amplo contacto com muitas pessoas. E, se em alguns casos, esta característica das redes é vista como algo benéfico, noutros pode ter graves consequências. Carlos Anjos revela que a ameaça que as redes sociais representam “é a mais perigosa”, sobretudo para as raparigas, pois do contacto pode resultar “abuso sexual”.