Criada em 1919, oito anos depois do nascimento da Universidade do Porto (UP) e tendo acolhido docentes como Leonardo Coimbra, a primeira Faculdade de Letras (FLUP) foi mais tarde extinta pelo Estado Novo, em 1931, por ser considerada “um foco de alguma irreverência política e de alguma não concordância com as ideias do regime”. Foi recriada em 1961 cumprindo, a 17 de Agosto de 2011, 50 anos. É isto que conta Fátima Marinho, directora da instituição desde Fevereiro de 2010.

A adaptação ao Tratado de Bolonha e as dificuldades económicas que tal mudança potenciou, a preocupação com as necessidades do mercado de trabalho e o elevado número de estudantes estrangeiros foram alguns dos temas abordados, em entrevista ao JPN.

O que significam 50 anos de Faculdade de Letras da UP?

A Faculdade de Letras é uma das maiores faculdades da UP, já tem um nome consolidado, quer a nível nacional quer internacional. Isso também se deve a 50 anos de vida, que deu para formar muitos profissionais e muitos estudantes.

De estudante a directora

Maria de Fátima Aires Pereira Marinho Saraiva entrou para a Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1971, para o curso de Filologia Românica, tendo finalizado a licenciatura cinco anos depois. Nesse mesmo ano tornou-se assistente. Acompanhou a reestruturação que os cursos sofreram com o fim do Estado Novo e doutorou-se, também na FLUP, em 1987. Professora catedrática de 2001, liderou a transição para o Tratado de Bolonha – algo que se nota, aliás, quando fala sobre os cursos da instituição. É presidente do Conselho Científico e directora da FLUP desde Fevereiro de 2010.

Quais são as principais conquistas em 50 anos de FLUP?

A afirmação dependeu, nestes anos todos, da aposta que a faculdade foi fazendo em formações variadas, não só nas tradicionais. Temos um corpo docente estável e de qualidade – praticamente todos os nossos docentes são doutores -, que vai acompanhando as novidades que vão surgindo e que faz parte de projectos internacionais. A faculdade tem estado, sempre, completamente aberta a toda a investigação e inovação científica. Não podemos ficar parados nos anos 60.

Tendo entrado como aluna em 1971, como foi vivido o 25 de Abril?

Eu estava no 3.º ano de curso quando foi 1974. A faculdade era jovem, ainda. A maior parte dos professores acompanhou bem a passagem para a democracia. Houve realmente, como é natural, algum tumulto, mas na FLUP houve uma reestruturação completa dos cursos – nesse ano não houve exames, houve alguma perturbação do funcionamento normal, as pessoas passaram com as notas que tinham das primeiras frequências. Mas depois as coisas voltaram à normalidade. Fui monitora a partir de Novembro de 1974 e acompanhei muito de perto todas essas mudanças. Acho que se fez uma integração mais ou menos normal e que não houve atropelos nem algumas coisas graves, como se passou noutras faculdades. Aliás, no próprio dia 25 de Abril, tive uma aula de tarde normal, na faculdade. E, no dia seguinte, as pessoas vieram para a faculdade.

Nestes 50 anos, quais foram os piores momentos que a faculdade já ultrapassou?

Como entrei para a faculdade como aluna em 1971, e nunca mais saí, acompanhei os vários momentos. Se calhar, um dos piores momentos foi a passagem para Bolonha e a perda desses dois anos, do ponto de vista financeiro. Tem havido altos e baixos: já teve muitos alunos, depois teve menos e, neste momento, está outra vez com muitos alunos, cinco mil e tal, contando com a educação contínua. Espero que, com a crise, isso não venha a ser afectado no próximo ano lectivo.

Está com receios que esse número diminua bastante?

Espero que não. Não tenho dados ainda, mas espero que não. Nós estamos com muitos alunos de doutoramento e de mestrado, espero que continuem. Em princípio, nada indica que não vão continuar.

Quais são os grandes desafios de Letras para os próximos anos?

Durante muitos anos, a Faculdade de Letras teve como principal empregador o ensino. Mas já não é possível pensar no ensino quase como um empregador único. Continua a ser muito importante, para nós, a formação de professores em algumas áreas, mas já temos também muitos cursos que não têm nada a ver com essa formação. E um dos principais desafios que temos é preparar os nossos estudantes para o mundo do trabalho, criar competências que façam com que eles possam, até, vir a trabalhar em áreas que não são aquelas que directamente estudaram, mas que lhes deram competências para depois poderem desenvolver um trabalho profissional competente e válido numa outra área. Também sabemos que a licenciatura não dá, em princípio, grandes competências para o mundo do trabalho. Portanto, criámos segundos ciclos variadíssimos, uns mais ligados para a inserção profissional, outros mais ligados a uma investigação científica. E até agora a procura tem sido boa, quer dos segundos quer dos terceiros ciclos.

Mencionou a complementaridade entre a licenciatura e o segundo ciclo, na preparação de um jovem para o mercado de trabalho com várias competências, além daquelas que aprendeu na licenciatura. Isso também veio com a chegada do Tratado de Bolonha, que assim o exigiu.

No fundo, o Tratado de Bolonha, ao propôr licenciaturas de três anos, veio impedir que um licenciado tenha as competências que tinha, por exemplo, há 30 e tal anos. Vai obrigar a que haja uma formação complementar. E até foram criados os mestrados integrados naquelas formações que estão dependentes das ordens, como Medicina ou Engenharia. No caso da FLUP, como não temos ordens, tem que se ter um mestrado em Ensino, profissionalizante, sem o qual os licenciados não podem candidatar-se a serem professores do ensino básico e secundário.

Como se joga com médias de acesso por vezes muito baixas, para alguns cursos, e com as perspectivas de emprego findos esses cursos?

No ano passado, por exemplo, a média mais baixa de acesso foi à volta de 13 valores, não é tão baixo assim. Claro que não podemos competir com cursos como Medicina e algumas engenharias, mas Línguas e Relações Internacionais, por exemplo, tem uma média de acesso que se tem aproximado da Arquitectura, acima de 17 valores. A média de acesso, às vezes, não tem a ver com a competência que o estudante adquire durante o curso, já importa pouco. Pode haver mais problemas no primeiro ano mas depois, naturalmente, um estudante que entrou com uma média mais baixa tem dificuldade e, às vezes, acaba até por nem acabar o curso. Não sei o que vai acontecer este anos, mas este ano há problemas conjunturais que irão afectar, não sei ainda como…