Passados cinco anos de “Ligação Directa”, como é regressar a este palco com o novo álbum?

Eu estive no Coliseu do Porto entretanto, com os “Três Cantos”. Estive, também, no espetáculo do “31 de Janeiro”, referente às comemorações do centenário da República. No fim de contas, não deixei de estar presente aqui e de o Coliseu estar presente em mim. Sou do Porto e esta sala é uma sala da minha infância. Lembro-me de ver aqui circos e vários outros espetáculos. Já vim cá tantas vezes que é, de facto, uma maneira de voltar a casa. É uma grata tarefa cantar no Coliseu.

O Coliseu comemora, a 25 de novembro, 70 anos. Como portuense, que recordações tem deste espaço?

O Coliseu é um bocadinho mais velho do que eu. Na minha altura, não havia tantos espetáculos nem tantos artistas estrangeiros. Lembro-me, principalmente, de ver o circo neste espaço e de alguns grupos que tinham muito sucesso. No entanto, havia muitas outras salas de espetáculos. O Rivoli, por exemplo, era muito importante, onde eu fui muitas vezes, e espero que volte à sua função mais plural. Lembro-me de assistir a grandes espetáculos de música clássica. Os meus pais eram grandes amantes desse estilo e, então, fui também educado nessas salas. É todo esse conjunto de memórias que fazem o meu amor pelo Porto. Vivi aqui até aos 20 anos e, portanto, sou portuense de gema.

Em “Mútuo Consentimento” pode-se ouvir: “A música é tamanha, cabe em qualquer medida”. Esta é a sua definição de música, depois de 40 anos de carreira?

Definições há muitas. Esse tema não é exatamente uma canção, são seis minutos de uma torrente de definições poéticas da música. São ditas coisas totalmente irrealistas e coisas concretas. Ouve-se: “A música é maior, é menor, mede-se com caneta e gravador”. Isto é concreto. Mas depois ouvem-se definições abstratas. Tem uma frase que eu acho que resume um bocadinho o que está na canção: “Nada na música se improvisa por acaso”. De facto, mesmo a improvisação não é só o acaso que a faz, há um trabalho invisível, que é a função da música. Quando começo a compor há muito trabalho por trás. As minhas músicas têm temas e abordagens muito diferentes: temas mais sociais, mais íntimos, mais políticos.

Com músicas como “Itermitentemente”, do último álbum, considera-se um romântico?

“Com 17 letrinhas apenas se escreve a palavra intermitentemente”. Eu acho que sim, considero-me um romântico muitas vezes. Porque me apaixono, gosto da vida, gosto das pessoas, gosto de ligar para as pessoas, sou curioso pela vida, tenho amigos e tive amores muito fortes, tenho filhas, tenho netos. Não tenho uma visão cínica da vida. Nesse aspecto sou um romântico, o que é diferente daquele cliché de cantor romântico. É uma maneira de estar na vida. Beethoven era um romântico.

Como disse, muitas das suas músicas incidem em aspetos políticos. Acha que, com a intervenção da Troika em Portugal, o país continua a ser “nosso para o bem e para o mal”?

Tem que ser nosso. Nós somos um país de altos e baixos. Aliás, bastante bipolar. Como diz a canção: “Transitamos entre a euforia e a depressão”. Ainda há pouco houve um momento de euforia com a vitória da Selecção, haja alguma alegria. O importante é lutarmos pelo que há de bom em Portugal. A situação é extremamente dramática, como todos sabemos, a situação social vai-se agravando. A mim choca-me que tanta gente que tem, já, tão poucos privilégios esteja a perder os poucos que tem. Quando começaram a cortar nos abonos de família mais pequenos, mesmo antes da Troika, achei uma coisa indigna. Na canção do novo álbum “Acesso Bloqueado”, digo que o presente tem o acesso bloqueado, mas temos de desbloqueá-lo. É nosso destino, arranjar forma de o desbloquear.

Nesse tema fala em “desgoverno planeado”. Acha que Portugal é um exemplo desta expressão?

[Risos] Isso é uma forma de dizer que há um desgoverno mesmo tendo muito planeamento. Muitas vezes, os cortes são cegos e não afectam aquelas grandes despesas inúteis do Estado. É nesse sentido que eu falo, ironicamente, de um “desgoverno planeado”.

O que guarda no “armário dos projectos”?

É continuar a criar, estou sempre ativo. Para o ano vai sair um livro, sobre 40 crónicas que escrevi para o “Expresso”. O número 40 tem surgido muito: são 40 crónicas que escrevi sobre canções de outros. E saiu, também, esta semana, o livro “Sérgio Godinho e as 40 Ilustrações”. É um livro que tem 40 letras minhas e 40 ilustrações dos melhores ilustradores portugueses e mostra a riqueza da ilustração portuguesa.

Falou sobre a crítica a outros músicos. Nos últimos tempos tem surgido uma nova vaga de músicos portugueses . É fã de algum destes novos músicos?

Gosto de vários. Gosto dos Virgem Suta. O B Fachada faz coisas muito interessantes, também. Há muita gente que faz coisas interessantes, como a Francisca Cortesão, por exemplo. Há muitas pessoas a experimentarem coisas novas e muito boas.

É possível comparar a cultura portuguesa de hoje e a de há 40 anos?

São realidades diferentes. Não podemos dizer que é melhor ou pior. Há muita gente nova a experimentar coisas. Eu tenho esperança na cultura e nas artes. O que é grave é que, por vezes, nos estejam a impedir de propagar a nossa música: quando o IVA sobre de 6% para 23% e a nossa profissão é precária e os espetáculos já são caros. Já estamos a reduzir os nossos cachets, mas não podemos cantar para perder dinheiro. Em Portugal, há coisas muito interessantes por todo o lado, desde o rock ao hip-hop.