O Euro entrou em circulação em diversos países da Europa há dez anos. Mas, com a exigência na contenção orçamental a aumentar e o “cinto” dos portugueses a apertar, algumas vozes equacionaram, nos últimos tempos, um possível retorno ao Escudo. Tal opção é impensável para os economistas Rui Henrique Alves e Miguel Lebre de Freitas que, em declarações ao JPN, dizem nem crer na possibilidade de tal cenário. Apesar da crise (que não é, garantem, decorrente do Euro), os dois especialistas fazem um balanço positivo da adoção da moeda única, que em muito beneficiou Portugal e os restantes países aderentes.

Rui Henrique Alves, da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP), salienta que “houve uma concretização de benefícios esperados com a adesão”, entre eles o desaparecimento do “risco cambial na Zona Euro”. Como consequência, houve “um aumento do comércio” entre os países aderentes, o que conduziu a “mais emprego e mais desenvolvimento económico”.

Embora o saldo não seja, “nos últimos anos”, tão positivo, é preciso esclarecer que “a crise não é decorrente do Euro”, mas sim de “falhas na sua implementação”. “Desde que foi desenhada a construção da moeda única”, por exemplo, acreditou-se que “bastaria que os países tivessem taxas de inflação e de juro parecidas para terem um nível de vida aproximado”. Para conseguir “segurar” as contas públicas, houve “muita desorçamentação e pouco incentivo para corrigir a tragetória”.

Já Miguel Lebre de Freitas, do Departamento de Economia, Gestão e Engenharia Industrial da Universidade de Aveiro (UA), explica que Portugal conseguiu, com a adesão à moeda única, “estabilidade monetária” e, consequentemente, deixou de ter “inflação elevada”. No contexto desta mudança, o país liberalizou o sistema financeiro e o Estado “deixou de utilizar os bancos como forma de financiamento privilegiado”, o que permitiu que os bancos “se dedicassem mais aos empréstimos ao setor privado”.

“O Euro é uma coisa óptima”, garante o docente da UA, relembrando, no entanto, que “a transição para o Euro provocou um problema de apreciação real” que “demora o seu tempo a ser resolvido”. Com a adesão, Portugal passou a ter, diz, de “articular as suas políticas económicas com os países da Zona Euro”, o que, “em tese”, cria “um quadro institucional favorável à estabilidade macroeconómica”. Na verdade, esse quadro institucional acabaria por não ser “suficientemente respeitado”, o que “conduziu a uma situação de turbulência” na região. A questão prende-se, na verdade, com “problemas de indisciplina das finanças públicas”. “Não é um problema do Euro em si”, salienta o economista.

Voltar ao escudo não é uma opção

Com o atual cenário mundial, Rui Henrique Alves garante que nos esperam “anos muito difíceis”, com o “nível de vida a recuar”, mas que o esforço de contenção da dívida é “absolutamente necessário para não complicar mais a situação portuguesa”. 

Miguel Lebre de Freitas defende que, para “recuperar a credibilidade nos mercados financeiros”, terá de acontecer um “retorno à disciplina orçamental”. O processo de recuperação de credibilidade poderá “ser longo no caso português”. “Durante os próximos tempos, a Europa vai estar numa situação de crescimento lento”, com o sistema de segurança social a ser repensado para garantir competitividade na economia global. “A Europa vai ter de sofrer um processo de ajustamento longo e penoso, ao mesmo tempo que vai ter de passar por um processo de estabilização das finanças públicas”, explica.

Sair do Euro não é, mesmo assim, uma opção. Lebre de Freitas garante que tal medida não seria “racional” do ponto de vista económico, pois “não resolveria problema nenhum”, agravando os já existentes. “Portugal não retiraria nenhuma vantagem da saída do Euro”, assegura o economista.

O grande problema da moeda única, diz Rui Henrique Alves, advém da “força política” que a move. “Não há nenhum exemplo na História de uma moeda a que não corresponda um só governo”, refere o economista. A falta de governo comum da Europa, formada por “muitos países e muitos governos”, não é visível em “mais lado nenhum” e é negativa para o Euro. É, por isso, necessário haver “um Estado global” europeu, como desafio para assegurar a sobrevivência da moeda nos próximos anos.