“Existe uma componente de evocação da falta de liberdade de expressão, um dos direitos humanos que é violado nesses países, construindo-se, precisamente, um dicionário da liberdade que é feito por cada um de nós”. É assim que Teresa Pina, diretora da Amnistia Internacional PortugalAIP, descreve a campanha Freedom Dictionary, destinada aos países do Médio Oriente e do Norte de África onde ainda decorrem revoluções.

Criada pela AIP, esta iniciativa está integrada numa campanha universal da Amnistia Internacional (AI). Em 2012, a organização mundial quer destacar a Primavera Árabe como um tema de Direitos Humanos. “Há, portanto, uma campanha internacional mais global e nós escolhemos esta ferramenta via Internet”, esclarece a responsável.

Assim, o Freedom Dictionary foi “aberto” a 11 de fevereiro, pronto para ser escrito por milhares de pessoas de todo o mundo. A data não foi escolhida ao acaso: após vários dias de luta do povo contra o seu regime, Hosni Mubarak deixou a presidência do Egito a 11 de fevereiro de 2011. Um ano depois, a Amnistia Internacional homenageou as revoluções árabes nesse mesmo dia.

“Libertar” palavras

O Freedom Dictionary é um dicionário em inglês construído através da Internet. Entrando no site da iniciativa, os utilizadores acedem à ferramenta do dicionário através do Facebook, para onde são reencaminhados.

Teresa Pina descreve que, depois disso, “as pessoas escolhem livremente uma palavra que elas associam de alguma forma a estes movimentos nos países onde existe repressão e onde não há liberdade de expressão”, acrescentando que, “nessa ferramenta online, o nome da pessoa fica associado à palavra que escolherem”.

Por ser “escrito” através da Internet, qualquer pessoa de qualquer país pode colaborar no Freedom Dictionary. Contudo, não foi apenas pela possibilidade de incutir a esta campanha uma dimensão maior que se optou pelo meio online, mas também pelo que as redes sociais representaram nestas revoluções.

“Quando estes movimentos começaram, as redes sociais deram um grande contributo para unir e para difundir a palavra entre estas populações. São países em que o número de jovens é muito elevado e onde as redes sociais, como o Twitter e o Facebook, tiveram um papel muito importante na difusão da mensagem e do ativismo”, explica a directora da AIP.

A primeira palavra: “prisioneiro” libertado

Em apenas quatro dias, o Freedom Dictionary já tinha registado mais de mil entradas. E, para Teresa Pina, essa mesma componente online da campanha terá sido um dos elementos que mais contribuiu para esta adesão tão grande em tão pouco tempo.

A primeira de todas as palavras a ser libertada foi “prisioner” (prisioneiro em inglês). Esta é, aliás, uma palavra importante para toda a organização. Segundo a diretora Teresa Pina, a AI, criada em 1961, surgiu, também, inspirada pelo regime salazarista, que limitava a liberdade de expressão. “A história diz que uma das coisas que chamou à atenção do fundador da AI, Peter Benenson, foi o facto de estudantes portugueses, durante a ditadura, terem tentado fazer um brinde à liberdade e terem sido detidos por isso. De alguma forma, foram estes episódios que levaram Peter Benenson a alertar e a fazer campanhas a nível internacional”, conta.

O objetivo era lutar pelo respeito pelos “direitos fundamentais de expressão, de opinião, de reunião, de opção política de pessoas que pensam de forma diferente e que são perseguidas politicamente”. Com base nessa ideia, o fundador da AI lançou uma primeira campanha, “The Forgoten Prisioners – Os Prisioneiros Esquecidos”, que são aqueles de que ninguém fala. “Simbolicamente, a palavra ‘prisioneiro’ está muito ligada à origem e ao passado da Amnistia Internacional”, conclui a responsável.

Este será um dicionário clássico mas, para já, existem algumas palavras que se destacam.
Além de “prisioneiro”, muitas outras foram, então, “libertadas” por utilizadores de diferentes países. “Liberdade”, “imprensa”, “censura”, “nós”, e “todos” são alguns exemplos. “São palavras emblemáticas”, considera a directora da AIP. Teresa Pina não se admira de que estas e outras palavras similares já tenham sido escolhidas, considerando que, até mesmo para aqueles que vivem em democracia, o conceito de liberdade está associado a um conjunto de valores que é comum a todos.

Onze dicionários para onze países em luta

“Estes movimentos foram espontâneos e ainda hoje perduram, apesar da violenta repressão. Todas as pessoas foram para a rua, desde homens a mulheres, jovens e velhos, e é uma demonstração da universalidade destes direitos”, salienta Teresa Pina, ao referir-se às revoluções que aconteceram e ainda acontecem no Norte de África e no Médio Oriente.

Assim, a responsável apela à participação de todos e à ajuda na difusão do projeto. Os interessados em colaborar neste dicionário global podem participar até 3 de maio, data em que se comemora o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

O objetivo será, depois, imprimir onze cópias dos dicionários construídos ao longo de quase três meses (onde vão constar, também, os nomes das pessoas que libertaram cada palavra), para serem enviadas para onze países onde ainda se luta por um regime democrático e melhores condições de vida: Arábia Saudita, Marrocos, Argélia, Iraque, Iémen, Irão, Egito, Bahrein, Líbia, Síria e Tunísia. No total, o Freedom Dictionary terá cerca de 155 mil palavras. “É uma forma de homenagear estes povos”, acredita a diretora da AIP.