“Isto é como as mulheres”, afirma Dickson. “Ou pior, é quase como amar uma mulher que nos trata mal”, acrescenta Pedro. Pode não parecer, mas referem-se ao negócio das velharias e das antiguidades. Há nove anos, Pedro Santos e Dickson abriram uma loja, a D Antiguidades, no n.º 212 na rua da Torrinha, mas já estão no ramo há mais de vinte, altura em que se conheceram. Entregam-se sem resistência à beleza de uma obra de arte. A paixão involuntária pela adrenalina da descoberta de uma nova peça é o que os mantém nesta atividade.

Diversidade no centro do Porto

Se, um dia, quiser encontrar um quadro do século XVIII ou uma escultura em terracota com mais de mil anos, comece por esta rua, bem no centro do Porto, mas não fique por aqui. Embarque nesta aventura durante a tarde, porque de manhã quase todas as lojas estão vazias. Suba a rua, que é o polo portuense das velharias e antiguidades, e entre nas mais de dez lojas dedicadas a esta arte. Há opções para todos os gostos e não encontrará dois objetos iguais.

No cimo da rua, respire fundo. Tem alguns metros para refletir sobre todas as peças que já viu. Vire à direita para a rua de Cedofeita. Há muita gente, mas nenhuma loja deste género. Corte à esquerda numa das transversais e suba até à rua do General Silveira.

No n.º 39, Jorge Cordeiro anda encantado com um conjunto de escovas do final do século XIX. “Pertencia a Venceslau Sousa Pereira de Lima que já foi presidente do Conselho de Ministros [equivalente a Primeiro-Ministro atualmente]. Não é qualquer pessoa que compra um conjunto destes. E também tenho um busto africano de Salazar, uma peça fantástica”, explica orgulhoso.

Na OPORTOnidades, as peças variam entre os 50 e os 1.500 euros, desde quadros, pratas e porcelanas. Jorge é fascinado por estudar e encontrar peças que poderão agradar a potenciais clientes. “Uma senhora queria uma imagem de Santa Bárbara para oferecer ao filho, procurei a peça durante cerca de seis meses. Quando a encontrei, ela disse-me que afinal não era bem aquilo que queria. Por acaso, tive sorte, vendi-a no dia seguinte. Nas velharias acontece muito isto”, diz. Apesar disso, a procura tem baixado nos últimos anos e os clientes são sobretudo pessoas de meia idade. Embora todos os artigos estejam disponíveis na Internet, os jovens pouco se interessam por este mundo.

Um negócio cada vez mais antiquado

Do mesmo mal queixa-se Paulo Machado: “Isto é para um nicho de mercado”. A maioria são yuppies que compram coisas de qualidade e foram culturalmente educados para apreciarem e preservarem arte, o que acontece raramente com as gerações mais novas. “Gostam de livros – procuram cultivar-se – não só das montras todas iguais dos shoppings, as catedrais do consumo ou do museu do Estádio do Dragão”.

Vale a pena conversar com o dono d’ O Sótão da Tia Becas, por isso, continue a subir até à praça Coronel Pacheco e depois da esquadra da polícia vire à direita. Nesta zona da cidade, o deslumbramento pelas velharias sobrepõe-se ao das antiguidades. Para Paulo é como um vício: “Pior que droga, a gente até se coça quando vê ou estuda certas coisas”. “Quando morre um estudioso, é uma enciclopédia que vai à vida”, conta enquanto mostra a mais recente aquisição, uma caixinha de madeira para guardar pedras de isqueiros. “Não é giríssimo? Comprei-a por cinco euros e não vendo por menos de dez!”.

O pai já comprava velharia e Paulo seguiu-lhe as pisadas. Aos 56 anos, há muito que perdeu a conta ao números de leilões e feiras a que foi. Tenta ser racional e comprar para vender, mas é frequentemente atraiçoado pelo coração. Para comprar na loja do Paulo, temos de ter o olhar bem treinado para não tropeçar nos milhares de livros, brinquedos, discos, fotografias, posters e quadros que forram as paredes de alto a baixo. Tralha para uns, arte para outros.

A paixão é garantia da sobrevivência

Fernando Moreira esforça-se há anos para atingir tal ponto de concentração. Numa terça-feira, é a terceira vez que visita Paulo na loja. Fernando não tem noção disso, mas é um herói. Faz parte de uma lista obsessiva cada vez menor de apaixonados heroicos que garante a sobrevivência deste setor em tempos financeiramente desconfortáveis. Os postais do Porto do final do século XX fazem-no perder a cabeça, ao ponto de comprar repetidos sem se dar conta. No dia em que o JPN visita O Sótão da Tia Becas, porém, leva um pião de madeira pintado à mão que se vendiam ao turistas com ilustrações da cidade.

Atravesse a rua e entre em Mártires da Liberdade. Vai encontrar mais apaixonados como o Paulo e o Fernando, resistentes como o Dickson e o Pedro e sonhadores como o Jorge. Quando decidir mergulhar no mundo das velharias e antiguidades, vá com tempo e, de vez em quando, venha à superfície para respirar porque vai encontrar muita coisa para ver e muitas histórias para ouvir.