É do Porto e rima com sotaque nortenho. Inspirada pela cidade, deixou a Sociologia para se dedicar ao rap. Depois de dois EP’s e uma mixtape, estreia-se a solo com o álbum Maria Capaz. Aos 29 anos, MC Capicua, a comandante da guerrilha cor-de-rosa, é uma das sensações no rap feminino.
JPN: Como é comandar uma guerrilha cor-de-rosa?
MC Capicua: A guerrilha cor-de-rosa é mais conceptual do que real. Mas é bom (risos). É, sobretudo, divertido.
Já houve missões impossíveis?
Algumas. Durante todo o processo de fazer o disco foram só obstáculos e períodos bastante difíceis em que achei que ia ser muito complicado. Na escrita e depois de gravação, não ficava contente e tive de mudar coisas. E até para conseguir uma editora, eu que sempre pensei que ia fazer uma edição de autor e até andei a juntar dinheiro. Foi um processo difícil, não foi um mar de rosas.
A tua passagem para o rap foi gradual ou houve um ponto de viragem decisivo na tua vida?
Foi gradual. Eu comecei a ouvir hip hop e a fazer grafitti com 14 ou 15 anos. Tive vontade de experimentar fazer rap, até porque sempre gostei de escrever, então fazia sentido, mas só em 2004 ou 2005 é que voltamos em força e, durante aquele intervalo, o rap não era uma coisa séria na minha vida. A partir daí, e com a decisão de fazermos uma banda – Syzygy, nunca mais parei. Houve fases em que não escrevi tanto, mas quando decidi fazer rap a sério nunca mais abrandei.
Foi fácil para a tua família e amigos aceitarem que ias optar definitivamente pelo rap?
Sim, não acho que há um grande estigma em relação ao rap. As pessoas acham piada e, sendo mulher, é ainda mais exótico (risos). Eu só contei aos meus pais muito tarde, quando já tinha uma banda há montes de tempo, e eles acharam piada.
Tentas sempre passar uma mensagem ou por vezes cantas só por diversão?
Às vezes é mesmo só para curtir, principalmente nos temas de “egotrip” quando dizemos: “Tu não vales nada e eu é que sou bom!”. Isso é mesmo só para curtir. Claro que também gosto de fazer rap mais interessante. É bom escrever letras bonitas e poéticas, mas também é bom mandar bitaites e fazer isso de forma divertida. Eu gosto de escrever, independentemente do tema.
E onde encontras inspiração?
Em tudo. Na conversa das pessoas, na minha vida, no que vejo à minha volta. Filmes, livros, viagens…tudo. Não há nenhuma fonte primordial que eu diga: “Ai, aquilo inspira-me bué”. O rap dos meus amigos inspira-me muito. Quando ouço um disco que gosto muito, fico cheia de vontade de escrever.
Quem são os teus ídolos no rap e no hip hop?
Mind da Gap e Dealema foram as bandas que eu cresci a ouvir. Mas eu gosto de muitos estilos de rap e não há uma pessoa que eu admire especialmente. Mas, por exemplo, a Lauryn Hill tem um dos discos que mais gosto: “Miseducation of Lauryn Hill”. Também gosto de Mos Def, Talib Kweli e Looptroop.
Atualmente, há escolas de hip-hop, mas não há de rap. Achas que não é preciso técnica?
Nunca houve escolas de rap. O rap aprende-se a ouvir e a cantar com amigos e sozinho. É mais fácil ensinar alguém a dançar do que a escrever. É demasiado pessoal para conseguirmos transmitir ao outro. Há dois ou três truques que se podiam ensinar, mas é preciso trabalhar muito sozinho. Ensinar alguém a fazer rap é mesmo muito difícil. Não é preciso haver formação em rap.
Quais são as principais características que uma rapper deve ter?
As mesmas que um rapper deve ter. É preciso trabalhar muito. Em vez de se ir ao cinema ou passear, às vezes é preciso ficar em casa a escrever letras ou a gravar e a misturar, o que exige muita determinação. Também é fundamental gostar de palavras e ter coragem, porque o rap expõe-nos muito.
Que conselhos darias a uma rapariga que quisesse vingar no rap?
Os mesmos que daria a um rapaz, porque não acredito que exista o rap feminino por oposição ao masculino, nem acho que o género influencie assim tanto a música que se faz. As escolhas e vivências influenciam mais. Os conselhos são ouvir música, ir a concertos, conhecer as referências da cultura, trabalhar muito e ter coragem.
A cidade do Porto tem alma para o rap?
Claro! Temos tantos MC’s bons e tantos discos clássicos de rap no Porto. A língua, o nosso sotaque, calão e identidade cultural tornam as rimas mais interessantes. Temos todas as condições para que saiam mais gerações de bons MC’s do Porto.
Porquê MC Capicua?
Capicua porque me chamo Ana e Ana lê-se de trás para a frente como os números capicua. E porque, teoricamente, me interessa essa ideia de eterno retorno e de que o fim é sempre um recomeço. E porque, para mim, soa bem.