Dá as 15h30, depois de 15 minutos à espera, e o elétrico 218 acaba de chegar à paragem do Carmo, mesmo junto à Reitoria da Universidade do Porto e ao emblemático Âncora D’Ouro. A nossa espera é prolongada pela mudança de destino e a excursão de crianças saltitantes que não conseguem esconder a excitação da visita escolar à cidade Invicta.

Parece que este é um dos poucos dias em que a monotonia do 218 é quebrada, a juntar àqueles em que os vagões ouvem idiomas distintos vindos de cidades de todo o mundo. Agora, cada vez mais. O Porto Tram City Tour já não é o que era e os grandes autocarros turísticos amarelos já fazem parte do passado da Sociedade de Transportes Colectivos do Porto (STCP). A empresa decidiu apostar no tradicional e oferecer serviços mais baratos aos turistas mas que, aparentemente, são ainda mais apreciados pelos naturais da cidade.

O 220 está de volta

O carro elétrico 220 vai voltar ao serviço. A Sociedade de Transportes Coletivos do Porto reconstruiu-o integralmente e já está operacional. Este é o sexto carro elétrico das décadas de 30 e 40 que a STCP reconstrói para fazer as linhas turísticas. Em comunicado, a empresa de transportes afirma que a reconstrução permitiu dotar o carro de mais conforto e segurança, mantendo intactas as características históricas. A rede de elétricos da cidade do Porto foi lançada em 1895. No ano passado, os elétricos do Porto transportaram 430 mil passageiros, mais oito por cento do que em 2010.

O bilhete único substituiu o andante azul, que deixa de funcionar no elétrico

Com o bilhete único a custar 2,5 euros (ao invés dos 15 euros da viagem no autocarro que fazia exatamente o mesmo percurso), o elétrico surge como a opção mais viável para os curiosos. Mas o facto de ainda aceitar os passes mensais faz com que a população mais idosa veja no elétrico uma forma familiar e tranquila de chegar a pontos-chave da cidade, como o Hospital de Santo António. E a fórmula funciona. No fim do ano passado, a procura aumentou cerca de 20% e as receitas da STCP inflacionaram em 63%.

Hoje, a viagem começa com uma senhora grisalha e solitária, já cara conhecida de Carla Pinto – a condutora. Carla movimenta-se como se estivesse em casa e entre palavras de conforto, lança sorrisos de satisfação, mas são quatro horas e ainda não teve oportunidade de almoçar. À senhora grisalha, juntam-se uma, duas e depois quatro pessoas. Todos já muito longe dos cinquenta e com traços de quem já viu passar muitos elétricos.

Depois da volta pela Cordoaria e da passagem no Instituto Abel Salazar, chegamos ao Santo António e o barulho é ensurdecedor quando Carla tenta acelerar para a subida, mas só nós parecemos incomodadas com o ruído. Os travões saem aos soluços e a trepidação é tal que mal conseguimos escrever, mas não vamos a mais de 15 quilómetros por hora. Chegamos aos semáforos e passou tudo. O elétrico é agora um bicho caladinho e recebe mais uma visita.

Já não há magia no Douro para quem usa o elétrico todos os dias

Começamos a dar voltas nas cadeiras – somos as únicas pessoas sentadas mesmo que os lugares sejam de sobra. O peso dos sessenta e muitos não parece pesar nas pernas dos outros passageiros. A última senhora a entrar é a primeira a sair, a meio da rua da Restauração.

O Douro e a vista para a outra margem distraem-nos por minutos, mas há quem simplesmente já durma embalado pelo sol a dar na cabeça. Já se avista o museu da STCP e o fim desta viagem, que ainda conta com um regresso. “Têm que sair, meninas” – diz uma senhora despachada que parece não saber que um bilhete único inclui o retorno. Em cinco segundos, o elétrico fica deserto.

A carruagem não dá a volta mas aparentemente é muito adaptável. Carla Santos retira o banco, as manivelas e leva a cabo todo um processo de mudança de direção que a nós nos parece insólito: quantas pessoas aqui sabem que os bancos do elétrico mudam de posição conforme a trajetória? Basta deslizar o encosto.

Regresso traz imprevistos mais rotineiros do que é suposto

Estamos prontos para ir, mas ainda não é a hora. Carla parece estar a preparar-se para mais uma viagem e desta vez, não vamos sozinhos. São sete as pessoas que desta vez nos acompanham, mais uma vez todas conhecidas e para lá dos sessenta.

O retorno parece fazer-se mais rápido, mas uma viagem não seria a mesma sem percalços. Um carro entope a subida na rua da Restauração, para não quebrar a rotina, mas a situação provoca sempre o mesmo desconforto. “É sempre a mesma porcaria! Oh menina, leve o carro à frente”, diz um senhor indignado. Carla passa resvés ao carro, mais preocupada que a dona do veículo, que assiste impávida e ignorando o transtorno que provoca.

A viagem acaba como começa, no mesmo sítio e com a mesma pergunta: “Para onde vai, menina?”.