Pavlos Geroulanos, o ministro da Cultura da Grécia, afirmou na semana passada que a extinção do ministério congénere em Portugal é uma “loucura”, por acreditar na sua importância simbólica e política.
Acabar com o ministério da Cultura foi uma das primeiras e mais polémicas decisões do atual governo. Na sequência de uma política de fusão de ministérios operada pelo atual executivo, a Cultura foi despromovida a secretaria de Estado, tutelada por Francisco José Viegas. A medida visava poupar ao Estado 2,6 milhões de euros, consequência direta da redução de 31% nas estruturas orgânicas, de 36% no número de dirigentes superiores e intermédios, e de 28% nos custos dos cargos dirigentes.
A reestruturação obrigou a várias mudanças no modelo organizacional da secretaria de Estado da Cultura (SEC). Foi criado o Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), que tem como objetivo fazer a gestão de cinco entidades públicas empresariais: a Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, a Companhia Nacional de Bailado (CNB), e os teatros nacionais de São Carlos, São João e D. Maria II. O surgimento deste organismo causou alguma polémica, pela possível perda de autonomia artística das entidades envolvidas, algo que Francisco José Viegas garantiu nunca vir a acontecer.
Outras mudanças estruturais foram registadas. O Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR), o Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) e a Direção-Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo (DRCLVT) fundem-se agora num único organismo: a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC). Também a Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas e a Direção Geral dos Arquivos desapareceram, dando origem à Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas (DGLAB).
“É uma mera mudança de designação”
Mário Cláudio, uma das principais figuras da literatura portuense, trabalhou durante muitos anos com o ministério da Cultura. Em declarações ao JPN, diz que não viu, “nem esperava ver”, mudanças na atividade cultural nacional com aquilo que classifica como uma mera “mudança de designação.” “O problema não está em ser ministério ou secretaria de Estado. O problema está na forma como as pessoas que podem fazer alguma coisa encaram as questões culturais. Quando o secretário de estado tem de pedir aos empresários para recuperar o património cultural, está tudo dito.”, afirma o escritor.
Mário Cláudio fala da cultura como um problema que vai para além do domínio governamental, e fala de um “imobilismo cultural, agravado pela crise”. “Há uma grande falta de atenção aos valores culturais, assim como problemas autárquicos. Quando as autarquias viram as costas à cultura, não há volta a dar”.
O escritor António Mota, vencedor, entre outras distinções, do Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura Infantil em 1990, afirma que, para já, nada mudou na cultura portuguesa com a extinção do ministério. Deixa, no entanto, críticas a esta medida, por considerar que a existência de um ministério da Cultura é “uma questão de identidade”. “Não está em causa a pessoa que está à frente da secretaria de Estado, que é muito competente. O país é uma manta, que precisa de todos os retalhos, e a cultura é uma componente muito importante”, diz.
António Mota acrescenta que o próprio jornalismo fica afetado com esta medida, e destaca o caráter eterno da atividade artística. “Já se sabe que há falta de dinheiro e a cultura fica para segundo plano. Mas, daqui a uns séculos, o que é que vai ficar deste tempo? Ficam os livros, ficam os filmes, fica a cultura.”, remata o escritor.
Associações culturais confirmam que pouco ou nada mudou
Rui Alves Leitão, da Associação Cultural Fértil, diz não ter notado a mudança a nível financeiro directamente, já que a associação não é subsidiada, mas critica duramente a medida. “Fragiliza o trabalho que vem sendo feito há muito tempo. As pessoas vão começar a deixar de ter disponibilidade para pensar criativa e criticamente, que é um dos grandes objetivos da arte.”
Luís Fernandes, da Associação Cultural D’Orfeu, diz que as atividades da associação não têm sido afetadas pelo encerramento do ministério da Cultura. “A nível macro faz toda a diferença ter ou não um ministério, mas a nossa relação com o organismo que nos coordena, a Direção-Geral das Artes, é exatamente a mesma. O que já há é cortes substanciais nos apoios estatais”. Luís Fernandes prevê, no entanto, consequências graves para a atividade cultural em Portugal. “Passa a haver na cultura uma grande falta de presença institucional. As ideias da secretaria de Estado, por muito boas que sejam, deixam de ter espaço de manobra para ir avante”, afirma o coordenador e gestor cultural da D’Orfeu.
A Associação Cultural Conflito Estético adota uma posição distinta da maioria face a esta polémica. Nesta associação, por esta trabalhar de forma independente, obtendo apoios através de parcerias, ainda não se fez notar a despromoção da Cultura. Ainda assim, Sara Évora Ferreira, presidente da Conflito Estético, afirma que a extinção do Ministério da Cultura “só contribui para os agentes culturais terem uma posição mais empreendedora”. “Sinceramente achamos que podem aproveitar para ter mais autonomia, uma postura mais activa. Talvez os obrigue a alavancar os seus projetos, em vez de ficarem à espera de ajuda”, afirma. Sara Évora Ferreira acrescenta ainda que espera que esta situação sirva para fomentar o trabalho em cooperação e a criatividade no panorama cultural português.
Para já, os cortes nos apoios financeiros têm sido a principal consequência direta da extinção do ministério da Cultura. A despromoção a secretaria de Estado ainda não teve muitas repercussões no meio artístico português. Prevê-se, no entanto, outro tipo de consequências a longo prazo, na forma como a sociedade e as instituições encaram a cultura em Portugal.