Podes ser desempregado nos Estados Unidos, pirata na Somália ou gestor do orçamento de Estado em Portugal, tudo sem sair da cadeira. Mas há muito tempo que os videojogos deixaram de ser apenas uma fonte de entretenimento, para passarem a ser vistos como uma das mais poderosas ferramentas de comunicação, e acima de tudo, uma forma de arte. Ainda assim, em Portugal, ainda se ignora o volume de produção e qualidade do que se faz e as empresas não acreditam que seja rentável investir numa indústria que, lá fora, já compete com Hollywood.
Portugal Indie-Game Festival em abril
Tiago Correia e Miguel Fontoura têm 22 anos, frequentam o 3.º ano do curso de Engenharia Informática da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Portalegre e partilham a paixão pelos videojogos. Querendo chamar a atenção para a produção independente em Portugal e recorrendo à “alma empreendedorista”, os dois jovens criaram o Portugal Indie-Game Festival. O festival, pioneiro em Portugal, decorre de 20 a 22 de abril. Com o apoio da Escola de Portalegre e uma empresa espanhola, pretendem que isto seja “um ponto de partida” para expor pessoas e trabalhos a empresas, a Portugal e ,quem sabe, um dia, ao mundo. As inscrições de jogos estão abertas até dia 1 de abril, mas há a possibilidade de o prazo ser alargado. Para assistir ao festival, basta aparecer.
Os smartphones, tablets e outras plataformas móveis permitiram a democratização da produção destes jogos, fomentando uma indústria independente com que tem dado muito que falar. Só em Portugal, entre 2010 e 2011, foram criados mais de 80 videojogos independentes para todo o tipo de plataformas. Mas além da quantidade, há a qualidade. Estes jogos indie, desenvolvidos por três ou quatro pessoas e com um orçamento muito reduzido, são cada vez mais realistas, perfeccionistas e detalhados.
“Os jogos indie são uma forma muito eficaz de transmitir ou comunicar partes de nós próprios e de as oferecer às pessoas”, explica Pedro Cardial, da Team Castaway. Além disso, “tendem a ter uma componente artística maior que os jogos comerciais. Estão mais próximos da partilha de uma experiência do que propriamente de um resultado tipo matar não sei quantos nazis”, diz.
São “experiências diferentes” que já cativaram uma legião de fãs em Portugal e algumas mentes geniais, que apostam tempo, dinheiro e ideias em novos projetos independentes. “O pessoal começou a fartar-se dos jogos comerciais de tal maneira que cerca de 70% do mercado para computador, por exemplo, são jogos indie. Mas em iPhones e Androids a percentagem é muito maior e há jogos com muita qualidade”, afirma Tiago Fernandes.
Indústria independente colmata a restrição de criatividade das grandes editoras
Mas a maior diferença reside no objetivo com que estes jogos são desenvolvidos. Enquanto as editoras desenvolvem jogos tendo em vista o lucro final, “nos jogos indie, o objetivo não é ganhar dinheiro, é ter um bom produto”, mesmo que um jogo indie não possa competir com jogos de grandes editoras, que se dedicam inteiramente a essa atividade. O que tem efetivamente acontecido é que as grandes empresas têm apostado em jogos indie que já tenham algum sucesso. Foi o caso do “Angry Birds“, que “começou como um jogo indie e foi um fenómeno brutal com que ninguém estava a contar”, exemplifica Tiago.
Mas a maioria dos jogos nunca chega realmente a uma distribuição em massa ou a ter alguma visibilidade. Para contrariar esta tendência, muitas equipas acabam por recorrer ao crowdfunding, que no estrangeiro já financiou imensos projetos mas que em Portugal ainda não é uma aposta segura, uma vez que a maior parte dos sites que oferecem este serviço não tem visibilidade nacional.
No entanto, não são só os amadores ou desempregados a dedicarem-se a este tipo de jogos. Descontentes com a limitação da sua criatividade, alguns talentos da indústria internacional, com muita experiência, estão a deixar os grandes estúdios para criar jogos independentes. A 2dBoy, empresa que criou o “World of Goo“, é constituída por dois ex-trabalhadores da Electronic Arts, por exemplo.
Para saber mais sobre a indústria de videojogos independentes, é só assistir ao “Indie Game: The Movie”, apresentado no Sundance Film Festival em janeiro deste ano. “Indie Game: The Movie” é um documentário que retrata uma geração de designers que não alinha com as grandes produtoras e mostra a realidade da produção independente: profissionais e criativos interessados não só no sucesso dos jogos mas em tornarem o seu trabalho em verdadeiras obras de arte. Este projeto canadiano, de Lisanne Pajot e James Swirsky, é também ele independente e foi financiado por campanhas de crowdfunding.