Durante a história de Portugal, é díficil encontrar um período em que a religião católica não tenha influenciado, de uma ou outra maneira, a sociedade portuguesa. Segundo dados de 2010, publicados pelo Vaticano, 88,3% dos portugueses são católicos. Contudo, atualmente, há cada vez mais espaço para outras religiões. Uma delas é o Evangelicalismo que já tem, pelo menos, um representante há quase cem anos no país.
Raízes do Evangelicalismo
O Evangelicalismo tem as suas raízes na reforma protestante, iniciada por Martinho Lutero. No século XVI, seguidores de Martinho Lutero começaram a fundar igrejas evangélicas na Alemanha e Escandinávia. Depois, João Calvino fundou igrejas dessa religião na Suíça e em França. Mais tarde, este movimento espalhou-se nos EUA, durante o movimento de restauração do protestantismo. No Brasil, uma missão francesa enviada por João Calvino estabeleceu-se, em 1557, numa das ilhas da Baía de Guanabara. Seguiu-se, em 1824, a vinda do luteranismo, trazida pelo alemães.
Em Portugal, a Comunidade Evangélica tem quase um século, altura em que a Assembleia de Deus se instalou no Porto. O pastor português Alexandre Samuel faz questão de dizer, até, que “a liderança da Assembleia de Deus é toda portuguesa há já largos anos”. O pastor preside na Assembleia de Deus há 16 anos e fala de diferentes gerações evangélicas que frequentam a igreja e da sua presença em toda a área metropolitana do Porto.
Contudo, não é impedimento para que outras igrejas evangélicas de origem brasileira se instalem no país. A Igreja Novo Dia está sediada no Brasil há já 56 anos. Começou na cidade de Brasília com a finalidade de angariar pessoas que não pertencem a nenhuma igreja, reunir um pequeno grupo e ensinar a sua doutrina. Esta igreja fixou-se em 1989 em Portugal. De acordo com o pastor Márcio Albuquerque, “foi enviado um casal de missionários para a cidade de Amarante e lá começaram o trabalho”.
No Porto, a Igreja Novo Dia tem dois anos e meio e estabeleceu-se da mesma forma que a igreja de Amarante. “Reunimos alguns irmãos e algumas pessoas, arrendamos uma loja e iniciamos o trabalho aqui”, explica o pastor Márcio. No que diz respeito ao apoio social, esta igreja tenta, na medida do que pode, apoiar os mais necessitados. “Além da parte espiritual, trabalhamos também na busca das necessidades físicas, ajudas e alimentos”, diz o pastor.
A origem da Igreja Internacional da Graça de Deus reside na pregação do Evangelho. No Brasil, este movimento evangélico conta com mais de três mil igrejas em todo o país. Em Portugal, esta igreja está sediada em Lisboa há onze anos. Na cidade do Porto está já há cinco e conta com cerca de cem fiéis. A principal razão para se fixarem no norte prende-se com o propósito de começarem a ter igrejas em todas as cidades.
Helena Vilaça leciona Sociologia das Religiões na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e confirma que a implementação de novas igrejas protestantes em países europeus não é novidade. No entanto, de acordo com a docente, “esse fenómeno é novo em países onde existiu um quase monólitismo religioso, ou seja, uma única igreja”. De acordo com a professora, a expansão do protestantismo deve-se ao facto desta religião ser fragmentada e, como “religião também é cultura, os crentes procuram reunir-se na igreja com a qual se identificam”, levando a sua fé para outras paragens.
“O povo está mais flexível” à entrada de novas igrejas
Quando se trata de falar sobre a aceitação da população local ao aparecimento de novas igrejas, os pastores parecem estar de acordo. Há quem não aceite e “é muito difícil chegar às pessoas”, porque Portugal “é um país muito católico”, esclarece o pastor Valdir, da Igreja Internacional da Graça de Deus. Contudo, adianta que “o povo está mais flexível”. O pastor Márcio, da Igreja Novo Dia, vai mais longe e fala numa mudança de atitude por parte das autoridades. “Em dez anos, há uma diferença muito significativa em termos de abertura, em termos de facilidade para as próprias câmaras municipais nos cederem espaços e em aceitar a programação de eventos”, garante.
A ideia de que milagres acontecem diariamente nestas igrejas é a que mais controvérsia pode suscitar na sociedade. Ainda assim, esta situação não é impedimento para a expansão das igrejas a outras áreas do país. “Mesmo que não haja um grupo de irmãos identificados” numa determinada zona, diz o pastor, como “o objetivo é evangelizar todas as pessoas”, a igreja envia missionários para os locais.
Assim, parece verdade que o cariz católico da sociedade portuguesa está a mudar e os portuenses são já a maioria na comunidade das duas igrejas, que, inicialmente, acolhiam mais brasileiros que portugueses. “Nós somos compostos, maioritariamente, por portugueses. Temos brasileiros, mas um dos propósitos da igreja é alcançar os portugueses”, diz o pastor Márcio.
A professora Helena Vilaça explica a presença de portugueses nestas igrejas com o facto de a sociedade estar “mais permeável”. “Vivemos num mundo onde há sociedades mais individualistas, onde se acha que questões como a religião devem ser o resultado de uma decisão pessoal e menos de uma herança”, acrescenta.
Novas dificuldades trazem novos crentes de todas as classes
Contudo, o perfil do pastor parece ser determinante para a composição do grupo. Os jovens estão mais atentos a esta realidade, mas a presença deste grupo etário nos cultos depende muito do pastor. André Magalhães, jovem estudante da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP) e seguidor da Igreja Novo Dia, afirma que só depois de ter tornado pública a sua crença evangélica é que percebeu o vasto universo de jovens protestantes que havia à sua volta. “A igreja evangélica não se encaixa em nenhum estereótipo em que uma pessoa a quer encaixar”, diz.
De qualquer das formas, a representação da sociedade nestas igrejas é satisfatória para os dois pastores. “A igreja é composta por várias classes sociais, vários níveis económicos e cada pessoa tem uma realidade”, diz o pastor Márcio, ao mesmo tempo que explica que são as mulheres quem normalmente faz a primeira visita à igreja, porque tendem a perceber mais rapidamente que precisam de ajuda.”Os portugueses consideram-se autossuficientes mas, num período de crise e desemprego, as pessoas ficam mais sensíveis”, explica.
Assim, o recente desemprego pode ser um fator que leva mais pessoas à procura de igrejas evangélicas, mas os pastores rejeitam que seja o único motivo. No caso de André Magalhães, o contacto com a igreja deu-se através de amigos e familiares e, tal como outros “irmãos” evangélicos, diz que as transformações positivas na sua vida foram evidentes.